sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O que tem de interessante nos equinodermatas?

Ao iniciar meus estudos em equinodermatas, especialmente os ouriços-do-mar, tenho aprendido cada vez mais a analisar a evolução dos animais sem a visão de que o ser-humano é o mais evoluído das espécies. O que dizer de um grupo como os equinodermatas que são descritos há 500 milhões de anos atrás? Uma breve comparação com a nossa raça humana é que atualmente estamos preocupados com a elevação da temperatura ou acúmulo de CO2 no ambiente, no entanto, dá pra imaginar as enormes variações climáticas as quais os equinodermos conseguiram passar? Há algumas décadas atrás, pesquisadores e chefes de parques têm se deparado com um fenômeno interessante: o rápido crescimento da população de ouriço, seja em áreas recifais, ou em substrato com algas tem afetado negativamente a diversidade do ecossistema marinho em questão. Obviamente, se os ouriços conseguem literalmente raspar um substrato com suas potentes lanternas de aristóteles, é possível que toda a cadeia trófica local sofra consequências relacionadas à diminuição na quantidade de alimento (produção primária) ou competição por espaço. Esse evento foi recentemente descrito por Lira et. al (2009) na ilha de Fernando de Noronha, onde a espécies Tripneustes ventricosus (ouriço-branco) tomou conta de algumas áreas importantes da região. O problema pode ser mais agravante ainda, uma vez que a ilha de Fernando de Noronha possui algumas espécies endêmicas, ou seja, que só ocorrem para aquela localidade. Um exemplo é a donzelinha de rocas que luta arduamente para proteger seu território de outros peixes ou mesmo de um organismo espinhento e branco. É difícil apontar as causas desse evento, embora elas sejam conhecidas, como a retirada do predador natural (no caso, pela pesca), aumento de nutrientes na água (antrópico) ou sucesso de reprodução anormal em um certa geração. Seria esse fenômeno mais uma estratégia de sobrevivência que os ouriços estão utilizando para obterem vantagem sobre outros organismos marinhos? Afinal, 500 milhões de anos de experiência o fizeram evoluídos o suficiente para buscarem novas soluções em resposta às variações climáticas atuais. De qualquer forma, esse é um bom exemplo para mostrar que precisamos avaliar melhor o quadro evolutivo das espécies e perceber qual animal é de fato evoluído. Wander Godinho Engenheiro de Pesca Bch. Mestrando em Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca Fortaleza, 12 de novembro de 2009.

domingo, 8 de novembro de 2009

Indicadores de mudanças climáticas e de variações do nível do mar na costa do Rio de Janeiro: aquecimento ou resfriamento?

Fábio Ferreira Dias Geógrafo, MSc. Geologia, Programa de Pós-Graduação em Geologia/UFRJ, Ilha do Fundão, 21.949-900. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. fabiofego@yahoo.com.br João Wagner Alencar Castro Geólogo, DSc. Geomorfologia, Laboratório de Geologia Costeira, Sedimentologia & Meio Ambiente / Museu Nacional / UFRJ e Departamento de Geologia – UFRJ. José Carlos Sícoli Seoane Geólogo, DSc. Geologia, Departamento de Geologia/UFRJ. Luis Henrique R. Camargo Geógrafo, DSc. Geografia, UERJ – Faculdades de Educação da Baixada Fluminense. Resumo O presente trabalho tem como objetivo demonstrar evidências de alterações climáticas ao longo do Holoceno (época atual) no Estado do Rio de Janeiro. Essas alterações foram analisadas através de indicadores geológicos e biológicos que apontam mudanças significativas do nível do mar no litoral entre Cabo Frio e Armação dos Búzios. Assim, o presente trabalho pretende demonstrar que as alterações climáticas ao longo do tempo geológico e da escala humana são fatos contínuos na história da Terra. Muitas vezes, vão muito além de uma mera consequência da ação do homem sobre o meio ambiente. Palavras-chave: mudanças climáticas, indicadores paleoclimáticos, interferências antrópicas. Introdução A atmosfera e o clima terrestre resultam de forças que agem sobre o globo, tanto provenientes do sol, quanto originadas no interior da terra. Dessa forma, o clima é resultante da combinação de fatores entre essas duas grandes fontes energéticas. Qualquer alteração ocorrida em uma dessas fontes primárias afeta profundamente o clima terrestre. Segundo Mesquita (2000), o aumento das concentrações dos gases do efeito estufa levará ao aquecimento global e conseqüentemente a modificações nos volumes das geleiras. Conforme Martin et al (1997) o nível do mar pode ser estudado através de diversos indicadores, entre estes, sedimentológicos, biológicos, arqueológicos. Mais recentemente outro indicador foi incorporado a esse estudo através da utilização de maregráfos que apontam tendências negativas e positivas de curto prazo das variações do nível do mar. No que refere ao Holoceno, época mais recente da história da terra, existem várias evidências de subida e descida do nível do mar, tanto no litoral brasileiro quanto em outras partes do mundo, possibilitaram a construção de curvas de variações a partir de métodos de datação, entre estes, radiocarbono e termoluminescência. Para Suguio (1999), o nível do mar em um determinado ponto do litoral é a resultante momentânea de interações complexas entre a superfície do continente e o mar. As modificações de volume das bacias oceânicas (tectono-eustasia) e as variações do volume de água dos oceanos (glácio-eustasia) fazem sentir os efeitos em escala mundial. Por outro lado, as modificações de nível dos continentes (tectônica e isostasia) e do geóide (geóido-eustasia) atuam em escalas local ou regional. Sendo assim, o presente trabalho abordará de forma suscita essas evidências em um trecho do litoral do Estado do Rio de Janeiro. Serão levados em consideração apenas indicadores geológicos e biológicos. Outros indicadores, entre estes, arqueológicos e maregráficos não são levados em consideração nesse trabalho, mesmo sabendo de sua importância para complementação e entendimentos dos estudos aqui apresentados. Diagnóstico ambiental do paleoclima no litoral do Rio de Janeiro Indicadores geológicos e biológicos ocorrem em quase todo o litoral do Rio de Janeiro. Vários trabalhos foram desenvolvidos ao longo do trecho de litoral aqui estudado, comentando principalmente as transformações climáticas ocorridas no Holoceno. Grande parcela desses trabalhos trata de modificações na cobertura vegetal resultantes de períodos mais quentes e úmidos no passado durante o Holoceno. Estudos geológicos e arqueológicos apontam níveis marinhos mais altos nos últimos 5000 anos e suas relações com as comunidades de sambaquis que habitavam parte desse trecho de litoral. Ficou evidente que os caçadores coletores se adaptavam muito rapidamente a subidas do nível do mar. Indicadores biológicos, entre estes, diatomáceas, vermetídeos, foraminíferos e nanofósseis e registros geológicos - geomorfológicos constituídos por terraços marinhos, paleocristas de praia, cordões litorâneos, etc., apontam mudanças bruscas na paisagem costeira no litoral aqui estudado. Foram encontrados registros de subida do nível do mar até 10 km da linha de costa atual entre os municípios de Búzios e Cabo Frio. Datações ao C14 apontam um registro de 3,0 m acima do nível do mar atual à 5000 anos A.P (antes do presente) mostrando um clima bem mais quente em relação ao atual. Localização A área escolhida para o estudo localiza-se na Região das Baixadas Litorâneas, também conhecida como Região dos Lagos Fluminenses, compreendendo parte dos municípios de Cabo Frio e Armação dos Búzios. Metodologia Com base nas referências bibliográficas sobre variações do nível do mar, desenvolveu-se um levantamento utilizando indicadores geológicos-geomorfológicos e biológicos que contribuíram para o entendimento e/ou compreensão da história evolutiva da região costeira situada entre Cabo Frio e Armação dos Búzios. O trabalho de campo consistiu na coleta de material biológico em diferentes níveis altimétricos. Para essa tarefa foi utilizado um GPS Geodésico Pro Mark 2, tendo em vista registrar os diferentes posicionamentos das amostras observadas e coletadas. Indicadores paleoclimáticos. Os registros geológicos–geomorfológicos e biológicos de variações do nível do mar foram tratados como Indicadores Paleoclimáticos pelo fato de representarem mudanças do nível do mar, também, decorrentes de fatores climáticos. Conforme Angulo (1997), indicadores de variação do nível do mar são divididos em dois grupos: os simples e os compostos. Os simples são aqueles que informam o paleonível(médio) do mar. Por serem datáveis, podem ser posicionados no tempo. Uma única evidência pode ser situada no tempo e no espaço. Já os indicadores compostos precisam de informações extras para que possam ser utilizados. Datações em conchas e carvões fornecem idade, no entanto, necessitam de outras informações sobre estruturas sedimentares que definem o ambiente deposicional, e consequentemente, a relação com o nível do mar. Trabalhos realizados na área de estudo abordam as variações do nível do mar e efeitos na configuração da paisagem costeira durante o Holoceno. Destacam-se os trabalhos de Lamego (1945), Martin et al. (1997), Barbosa (1997), Castro et al. (2007), Dias et al. (2007). A maioria desses estudos prendeu-se aos indicadores geológicos – geomorfológicos (evolução de restingas, terraços marinhos, leques de arrombamento, etc) e biológicos (foraminíferos, bivalves, troncos, etc.). Essas informações possibilitaram a construção de curvas de variações do nível do mar, como a de Barbosa (op cit.) a partir das assembléias de foraminíferos. Segundo Fernandes et al (2002), as marcas de ouriço são importantes indicadores de variações do nível do mar, uma vez que, essas perfurações são encontradas nas áreas de variações de marés (Figura 2 e 3). Tais informações são muito importantes na compreensão regional de possíveis oscilações do nível do mar, particularmente as ocorridas no Quaternário. Segundo Araújo (2007), os terraços marinhos são depósitos de sedimentos litorâneos (de praia ou de plataforma) caracterizados por níveis topográficos devido às oscilações do nível do mar. Segundo Bloom (1970) e Suguio et al. (2005), os terraços marinhos são exemplos de paleoníveis do mar acima do atual. Os terraços de abrasão marinha representam superfícies erosivas sustentadas por rochas mais antigas do embasamento. Essas feições erosivas, oriundas da ação de ondas acima do nível do mar atual, constituem, também, evidências de oscilações passadas. Segundo Araújo (2007), em alguns casos, é possível compartimentar antigas plataformas de erosão de modo a se determinar antigos níveis marinhos. Investigações realizadas na praia de Vila Chã – Portugal, identificaram a ocorrência de um setor inferior, do terraço com baixo declive (1) e uma rampa (2) com declive acentuado de 13°. Nesse quebra acentuada, o nível do mar encontrava-se praticamente no nível médio. Para Bhatt e Bhonde (2006), os entalhes marinhos (marine notches) são feições côncavas criadas nos costões rochosos e falésias pela ação das ondas. Araújo (2007) afirmou que, na sua área de estudo, os entalhes estavam ligados à existência de fraturas que eram aproveitadas pela erosão marinha à cerca de 1,0 m acima do nivel atual. Segundo Oliveira (2007) os vermetídeos são gastrópodes que vivem presos a um substrato rochoso apresentando conchas em forma de tubo. Os gêneros Petaloconchus e Dendropoma são os mais comuns no litoral brasileiro. Angulo (1997) desenvolveu uma curva de variação do nível do mar para o litoral do Paraná utilizando a espécie Petaloconchus varians. Segundo Angulo op cit entre Cabo Frio e o sul do Brasil não existem correspondentes atuais para obtenção da relação entre esses organismos e o nível do mar atual. Dessa forma, se estima o paleonível marinho em função da época dos vermetídeos fósseis. A alternativa adotada foi utilizar como referência, o limite superior de vida de colônias do poliqueta Phragmmatopoma lapidosa, que se situam em nível equivalente ao limite de vida dos Petaloconchus. Segundo Laborel (1986), esta espécie ocorre no quarto inferior da zona intermarés, ou seja, na região entre o nível de maré baixa de quadratura e o nível de maré baixa de sizígia. Ainda segundo Laborel, a precisão na determinação de antigos níveis a partir de vermetídeos pode oscilar entre + 0,1 m e + 1,0 m, dependendo da exposição às ondas e a amplitude de maré. Na costa brasileira, a precisão obtida encontra-se em torno de + 0,5 m. As conchas de bivalvios, de acordo com a sua ocorrência e o seu estado de preservação, são bons indicadores de variação do nível do mar. Segundo Angulo (1997), a espécie Anomalocardia brasiliana vive abaixo do nível da maré baixa até alguns metros de profundidade. Quando não há muito retrabalhamento por outros organismos, estes bancos de conchas servem para indicar pelo menos o nível de maré baixa da época em que viviam estes bivalvios. Com base nestes critérios e conhecendo-se a amplitude da maré na área, pode-se ter uma idéia do paleonível do mar também. Podem ser encontrados troncos de madeira carbonizados, que ao serem analisados por antracológos podem ser utilizados ou não como indicadores de variações do nível do mar. Vários trabalhos, como o de Andrade e Dominguez (2003), mostram a utilização de troncos carbonizados de espécies de mangue, refletindo variações do nível do mar. Paleocracas (espécie Tetraclita stalactifera) também são encontradas tanto em Cabo Frio quanto em Armação dos Búzios. Estas são crustáceos que habitam a zona entre marés em ambientes de costões rochosos. Aragão (1999) estudou a espécie Tetraclita stalactifera nos costões da ilha da Marambaia (RJ) que correspondem aos mesmos exemplares fósseis identificados em Cabo Frio e Búzios. A variação vertical dos exemplares dessa região apresentou uma amplitude de 10 a 30 cm, podendo sua ocorrência estar mais próxima ou mais distante do nível 0,0m (sizígia) em virtude da maior ou menor exposição às ondas. Segundo Skinner et al. (2007) essa espécie habita o oeste do oceano Atlântico, o golfo do México e a leste do Pacífico. Além dos costões, essas cracas fixam-se também em píers e outros substratos rígidos, formando uma franja entre as cracas da espécie Chthamalus spp. e o mexilhão Perna perna. Resultados Foram encontrados diversos indicadores paleoclimáticos na área estudada. A tabela 1 mostra as praias onde foram encontradas as evidências e os tipos de indicadores comentados ao longo desse trabalho. Verificou-se durante o trabalho de campo que esses indicadores sempre foram encontrados em condições acima do nível do mar atual. Discussões Os indicadores paleoclimáticos foram identificados em diferentes níveis altimétricos. Cada um deles apresenta uma relação com o nível do mar em um determinado período de tempo. As datações ao radiocarbono completam, quando possível, essa história evolutiva da terra, permitindo estabelecer uma relação entre a altura atingida pelo nível médio da superfície dos oceanos e a época da referida altura. Essas evidências, nem sempre mostram com muita precisão a altura atingida pelo nível do mar. O aquecimento global, assim como o resfriamento, sempre foram eventos que marcaram varias eras e períodos geológicos. Alterações na composição da atmosfera com a maior ou menor presença dos gases contribuintes do efeito estufa, variações na quantidade de energia enviada pelo sol, alterações na órbita da terra, assim como muitos outros fatores, sempre ocorreram. E o homem? Qual o seu poder de interferência no clima global? Até onde vão os fatores naturais? Onde começam as interferências antrópicas? Será que é tão fácil afirmar que o homem é o grande causador do aquecimento global ? Segundo Molion (2007), a terra entrará numa fase glacial, ocorrendo, inclusive, a possibilidade de um ligeiro rebaixamento do nível dos oceanos. Ainda segundo o Molion op cit, como a última glaciação ocorreu há 15 mil anos e os períodos interglaciais são normalmente de 12 mil anos, talvez já esteja ocorrendo um período glacial. Essa discussão é muito questionada entre diversos profissionais de geociências. Para outros pesquisadores, entre estes, Rosman (2008), estudos envolvendo aquecimento global levaram em consideração efeitos negativos nas praias do Rio de Janeiro, como reflexo da subida do nível do mar. Segundo Suguio (1999) e IPCC (2001) apud CSIRO (2008), com o aumento das concentrações de CO2, o nível do mar continuará a subir, trazendo problemas para muitas regiões costeiras de cidades como Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza, São Luis, Natal, etc. Conclusões Os estudos envolvendo mudanças climáticas nos últimos 11.000 anos, compreendendo o Holoceno, mostraram incursões marinhas (transgressões) em diversas regiões costeiras do Brasil, como indicadores de alterações climáticas passadas. Esses estudos são sintetizados por curvas de variações do nível do mar nas altitudes localizas na faixa de intermaré, construídas 30 com a utilização de indicadores geológicos e biológicos. A maior parte dos estudos realizados no Brasil mostra um período de grande aquecimento resultando em uma transgressão máxima por volta de 5100 anos AP conhecido como Optimum Climático. Esse fenômeno foi favorecido pela temperatura intensa aliada ao nível do mar mais elevado que provocou maior evaporação das águas próximas à costa, empurrando a umidade para o interior, refletindo, consequentemente, no tipo de vegetação, como forma de readaptação (reorganização) do sistema em resposta às modificações ambientais. Não se pretendeu aqui fazer uma discussão sobre a influencia do homem sobre o clima atual da terra, pelo contrário, procurou-se mostrar que as alterações climáticas sempre ocorreram ao longo da história da terra. Aqui mostrou-se que as mudanças climáticas são processos naturais. Ressalta-se que a presença do homem após a revolução industrial contribuiu de certa forma com a aceleração dessa dinâmica natural. Essas alterações, resultantes de uma série de combinações, com variáveis conhecidas e desconhecidas, impossibilitam definir o processo como linear, sendo, dessa forma, mais prudente adotar o discurso da imprevisibilidade da configuração dos diversos ambientes terrestres. Referências ANDRADE, A. C. S. e DOMINGUEZ, J. M. L. Origem e evolução do sistema ilha barreira / laguna holocênico da planície costeira de Caravelas - Bahia – Brasil. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, 9, Recife, 2003. Anais... Recife, ABEQUA, CD-ROM. ANGULO R.J. Geologia da Planície Costeira do Estado do Paraná. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Geologia Sedimentar) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992, 334 p. ANGULO,R.J. e LESSA, G. C. The brazilian sea level curves: a critical review with emphasis on the curves from Paranaguá and Cananéia regions. Marine Geology. 140, p. 141-166, 1997. Disponível em: . Acessado em: 20 nov. 2004. ARAGÃO, V. A. 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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O que é erosão costeira?

A linha de costa é sem dúvida uma das feições mais dinâmicas do planeta. Sua posição no espaço muda constantemente em várias escalas temporais (diárias, sazonais, decadais, seculares e milenares). A posição da linha de costa é afetada por um número muito grande de fatores alguns de origem natural e intrinsecamente relacionados à dinâmica costeira (balanço de sedimentos, variações do nível relativo do mar, dispersão de sedimentos), outros relacionados a intervenções humanas na zona costeira (obras de engenharia, represamento de rios, dragagens).

Como resultado da interação entre estes vários fatores, a linha de costa pode avançar mar adentro, recuar em direção ao continente, ou permanecer em equilíbrio. Quando a linha de costa recua em direção ao continente, fala-se que a mesma está experimentando erosão.

O fenômeno de erosão torna-se um problema para o homem (risco natural) quando este constrói algum tipo de referencial fixo (estrada, prédio ou outro tipo de construção permanente) que se interpõe na trajetória de recuo da linha de costa. Deste modo o problema de erosão, conforme apontado por vários autores é de certa maneira causado pelo homem, pois se ninguém morasse próximo à linha de costa este problema não existiria. Deve-se ressaltar que o problema de erosão não se restringe apenas às linhas de costa oceânicas, podendo também ocorrer em praias associadas a corpos d’água interiores, como lagoas e lagunas.

É importante esclarecer que o fenômeno da erosão não implica em destruição da praia arenosa, como o termo à primeira vista parece sugerir. A posição da praia simplesmente recua continente adentro durante este processo. Deste modo alguns autores sugerem que em vez de erosão, seja utilizado o termo "recuo da linha de costa", visto que este último traduz de maneira mais fiel o que realmente acontece. O desaparecimento da praia arenosa, usada para fins recreativos, ocorre quando o homem interfere no processo de recuo da linha de costa, tentando estabilizar a posição da linha de costa através de obras de engenharia.

Como o problema da erosão resulta essencialmente de um conflito entre um processo natural, o recuo da linha de costa, e a atividade humana, a solução do problema passa necessariamente pela questão do uso do solo na zona costeira. Tentativas de se estabilizar a posição da linha de costa através de obras de engenharia têm se mostrado ineficientes em controlar o fenômeno, e via de regra implicam na destruição da praia recreativa. Entretanto, em alguns casos extremos esta é a mais efetiva e rápida maneira de defesa do patrimônio público ou privado.

Em escala mundial, alguns autores estimam que cerca de 70% das linhas de costa do mundo estejam experimentando erosão. Isto tem despertado a atenção de cientistas e planejadores em todo o mundo para este fenômeno, a compreensão de suas causas e o que fazer para minimizar os prejuízos materiais decorrentes do mesmo. É importante chamar atenção para dois aspectos fundamentais que devem ser necessariamente contemplados quando se analisa o fenômeno da erosão costeira:
1. A praia recreativa, onde os efeitos da erosão se expressam de maneira de maneira mais visível, é apenas uma pequena porção de uma feição natural maior chamada de Antepraia, que também é afetada por processos atuantes na plataforma interna. Portanto, a compreensão do fenômeno da erosão costeira passa necessariamente pela compreensão dos processos dinâmicos que ocorrem na antepraia.
2. Como são muitos os fatores que controlam a posição da linha de costa (incluindo-se aí o seu recuo), as causas específicas do fenômeno devem necessariamente variar geograficamente. As zonas costeiras do mundo evoluíram em equilíbrio com uma série de parâmetros intrinsecamente relacionados com a história geológica de cada região. Assim, por exemplo, se comparamos a evolução da zona costeira do Brasil com aquela da costa leste americana e do Golfo do México vamos ver que as mesmas evoluíram de maneira bastante diversa, o que resultou em fisiografias totalmente diferentes. Estas duas regiões experimentaram durante os últimos 5.000 anos histórias de variação do nível do mar bastante distintas. Enquanto nos Estado Unidos o nível do mar esteve continuamente em elevação durante os últimos 5.000 anos, na costa do Brasil este nível desceu cerca de 5 metros no mesmo período. Esta diferença na história das variações do nível relativo do mar teve profundas repercussões na evolução da zona costeira, o que se reflete nas fisiografias exibidas por estas duas regiões. Assim para a zona costeira norte-americana predominam feições como estuários, baías, lagunas e ilhas-barreiras, com poucos rios desaguando diretamente na plataforma interna.
De outro lado, na costa do Brasil, a fisiografia da zona costeira de um modo geral é bastante diferente, com ilhas-barreiras e lagunas estando virtualmente ausentes, sendo substituídas por planícies de cordões litorâneos e com os rios desaguando diretamente na plataforma interna. Ainda que regiões como a zona costeira do Estado do Rio Grande do Sul, apresentem lagoas e lagunas costeiras, estas feições, do ponto de vista evolutivo e de processos dinâmicos guardam poucas semelhanças com a dinâmica tipicamente associada às ilhas-barreiras e lagunas do hemisfério norte. É evidente que estas diferenças em fisiografia e evolução da zona costeira apresentam importantes implicações para a gestão desta região, a qual deve ser embasada em um sólido conhecimento dos processos, da evolução e da dinâmica aí atuantes. O estudo e a gestão do fenômeno de recuo da linha de costa (erosão) está portanto, inserido neste contexto.



Análise do Fenômeno

Quais os fatores determinantes do fenômeno de erosão na zona costeira brasileira?

Trabalhos já realizados na zona costeira do Brasil mostram que os principais casos de erosão reportados podem ser entendidos e explicados como (i) o resultado intrínseco dos padrões de dispersão e transporte de sedimentos na zona costeira e (ii) resultado de intervenções humanas na zona costeira, seja através da construção de obras de engenharia, seja através de usos do solo inadequados.
Estes casos de erosão não apresentam relação direta com uma possível subida do nível relativo mar, embora este fator não possa ser totalmente descartado. Talvez a ênfase dada ao fator subida do nível relativo do mar para explicar o recuo da linha de costa no Brasil, decorra do fato de que grande parte da literatura produzida no mundo sobre o assunto seja oriunda dos EUA, onde efetivamente a principal causa da erosão da linha de costa esta relacionada à migração de ilhas-barreiras em resposta a uma elevação do nível do mar.
Assim a análise do fenômeno de erosão na costa do Brasil tem que partir necessariamente de um conhecimento da situação local.
O fenômeno de recuo da linha de costa (erosão) pode ser analisado em várias escalas temporais e espaciais. Essencialmente o comportamento de um determinado trecho da linha de costa é resultado do balanço de sedimentos para este trecho. O balanço de sedimentos nada mais é que a aplicação do principio da continuidade ao transporte e deposição de sedimentos (créditos e débitos de sedimentos). Assim, se para um determinado trecho da linha de costa, o balanço de sedimentos é positivo, a linha de costa avança mar adentro, se este balanço é negativo a linha e costa irá recuar em direção ao continente. Se o balanço é zero, a posição da linha de costa se mantém fixa.
Estudos mostram que quando se examina em detalhe a evolução da zona costeira, nota-se que algumas regiões do Brasil, a exemplo da região nordeste, têm exibido uma tendência de longo prazo para recuo da linha de costa (erosão), atuando em escalas de tempo de alguns milhares a dezenas de milhares de anos, enquanto em outras regiões a tendência geral tem sido de acumulação de sedimentos e, portanto, avanço da linha de costa mar adentro.
Super-impostos a estas tendências de longo prazo, existem fenômenos que atuam em escalas de tempo de décadas a séculos tais como (i) dinâmica de desembocaduras fluviais e canais de maré, (ii) captura de areia em pontais arenosos, (iii) atividade eólica etc. Fenômenos de mais alta freqüência atuando em escalas de tempo de alguns dias a sazonal, tais como o avanço de frentes frias e as marés meteorológicas associadas, por sua vez ocorrem impostos às tendências de médio prazo listadas acima. Todos estes fenômenos controlam a posição da linha de costa e sua compreensão, portanto é fundamental para se entender o seu comportamento. Ainda assim, mesmo para aqueles trechos que estão experimentando recuo da linha de costa, este recuo não será uniforme ao longo de um determinado trecho em função do estágio morfodinâmico em que se encontra a praia.
Gestão do Problema
O manejo do problema de recuo da linha de costa (erosão) no Brasil tem sido feito de maneira espontânea e desordenada, a partir de intervenções de proprietários individualmente ou através de municípios, normalmente após o problema já ter atingido proporções alarmantes. Muitos destes casos de erosão resultam inclusive de ocupação inadequada da zona (faixa) de variabilidade natural da linha de costa nas escalas de tempo sazonal e anual. Estas intervenções desordenadas normalmente se dão através de colocação de muros e espigões nas áreas criticamente atingidas, normalmente implicando no dispêndio de somas elevadas e em prejuízo estético considerável.
Em áreas já densamente ocupadas como as regiões metropolitanas, pouco pode ser feito em termos de zoneamento ou disciplinamento de uso do solo, para fazer frente ao recuo da linha de costa. Nesta situação a estabilização da linha de costa através de intervenções de engenharia (muros, molhes ou engordamento de praia) terão de ser implementadas. Estas obras, via-de-regra, são dispendiosas, e ainda que não constituam uma solução adequada para o problema, são inevitáveis tendo em vista a necessidade de se proteger a propriedade. Estas obras de estabilização por vezes causam efeitos adversos dentre os quais pode-se citar a eliminação da praia recreativa, no caso de obras de engenharia rígidas. É óbvio que devido a uma questão de continuidade, a estabilização rígida de algum trecho da linha de costa, irá agravar ou originar um problema de erosão naqueles trechos situados mais jusante. Isto pode ser claramente observado em várias capitais da região nordeste do Brasil a exemplo de Recife e Fortaleza.
Em áreas ainda não ocupadas, ou em vias de parcelamento, observa-se que não existe qualquer preocupação, quando do licenciamento dos empreendimentos, com o fenômeno de recuo da linha de costa. Para estas áreas ainda não ocupadas, a solução mais adequada seria o disciplinamento do uso do solo, com o estabelecimento de faixas de recuo. Estas faixas de recuo devem ser estabelecidas para cada trecho da linha de costa tomando-se como base as taxas de recuo históricas da linha de costa, a incursão máxima de marés meteorológicas (quando for o caso) e as previsões futuras de subida do nível relativo do mar. Como estas taxas variam espacialmente, não devem ser extrapoladas para longos trechos da linha de costa.

Deve-se ressaltar que não existe legislação específica no Brasil que contemple o fenômeno do recuo da linha de costa. Existem, entretanto, leis que estabelecem largura variável entre 33 e 300 metros, a partir da linha de preamar máxima, criados com objetivos diversos tais como proteção da vegetação de restinga, garantir o livre acesso da população às praias e os assim chamados terrenos de marinha.

Erros e Acertos
As intervenções que visam o controle da erosão da linha de costa têm encontrado mais insucessos do que sucessos, devido principalmente aos seguintes fatores:
(i) o problema da erosão costeira conforme já mencionado está intrinsecamente relacionado ao fato de que a posição da linha de costa está em constante movimentação e mais cedo ou mais tarde vai entrar em conflito com edificações rígidas construídas pelo homem. Portanto é um fenômeno que o homem tem que aprender a conviver. Não existe consciência adequada por parte dos técnicos envolvidos com a gestão da zona costeira deste fato básico.

(ii) o fenômeno da erosão da linha de costa até o momento não é objeto de atenção de uma legislação específica, talvez devido ao fato de apenas muito recentemente este problema ter começado a freqüentar as páginas dos jornais.
(iii) como conseqüência do que foi dito acima não existem estratégias oficiais para enfrentamento do problema, em qualquer dos níveis governamentais e as intervenções tem tido sempre um caráter emergencial.
(iv) a ausência de uma estratégia oficial para enfrentamento do problema dá lugar a intervenções de caráter "individual" (seja do proprietário, seja dos próprios municípios agindo independentemente), que contribuem para o agravamento do problema.

(v) os "setbacks" existentes, principalmente os 33 metros de terreno de marinha, via de regra não são respeitados pelos incorporadores e proprietários. Deve-se ressaltar que a simples observância desta faixa de recuo de 33 metros minimizaria muito dos problemas de erosão existentes atualmente no Brasil.
(vi) em vários locais, os proprietários e municipalidades avançam na região dita de pós-praia, inclusa na zona de variação sazonal da linha de costa desencadeando problemas de erosão que de outra maneira não ocorreriam.
(vii) as obras de estabilização rígida (muros e molhes) são efetuadas normalmente em caráter emergencial e improvisado, sem a orientação técnica adequada, o que resulta na pequena durabilidade das mesmas.
Todos estes fatores fazem com que as iniciativas de controle de erosão no Brasil não tenham sido bem sucedidas. Isto pode ser resumido em dois aspectos fundamentais:
(i) o controle da erosão envolve obras de engenharia via de regra caras, que implicam na destruição em muitos casos da praia recreativa, portanto se de um lado preserva a propriedade, de outro elimina um importante recurso natural da zona costeira. Estas intervenções além de caras exigem custos de manutenção muitas vezes elevados que muitos municípios e proprietários não podem arcar. Embora o sucesso destas intervenções seja limitado, as mesmas são a única solução depois que as propriedades já se encontram ameaçadas. Estas obras devem ser executadas obedecendo a normas técnicas adequadas
(ii) uma abordagem mais pró-ativa baseada no estabelecimento de "setbacks", seria a mais adequada, e que provavelmente implicaria em taxas de sucesso maiores no controle da erosão, com menos custos para as municipalidades e proprietários. Esta abordagem, entretanto, não tem sido popularizada seja por falta de legislação específica, seja pela não implementação das faixas de "setbacks" já previstas pela legislação.
Dificuldades na Administração do Problema

As principais dificuldades para a administração do problema que podemos vislumbrar no momento são as seguintes:
(i) o desconhecimento do problema por parte dos administradores costeiros, a não ser em regiões já seriamente afetadas, faz com que este fator seja virtualmente ignorado na avaliação e licenciamento de projetos e nas propostas de zoneamento costeiro.
(ii) a implementação de uma política de "setbacks" para enfrentar o problema certamente enfrentará grandes dificuldades de aceitação por parte de proprietários e incorporadores, uma vez que implica de certa maneira em uma "desapropriação" de parte da propriedade, visto que algumas destas faixas de "setbacks" terão necessariamente caráter "non-aedificandi".


Metodologias para Avaliação da Erosão Costeira
Dentre os métodos que podem ser utilizados para se compreender as tendências de comportamento da linha de costa nas suas várias escalas temporais e espaciais pode-se mencionar.

• análise das tendências de erosão de longo prazo da zona costeira com base no conhecimento de evolução da linha de costa durante o Quaternário;
• comparação de fotos aéreas verticais obtidas em épocas distintas. Observar que estas fotos deverão estar disponíveis em escalas adequadas para a análise do fenômeno. Deve-se também levar em conta que como as fotos são uma projeção central as mesmas antes de ser comparadas devem ser corrigidas para projeção ortogonal;
•utilização de Sistemas Geográficos de Informação;
• entrevistas com moradores locais;
• monitoramento através de sobrevôos e execução de perfis de praia.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sequestro oceânico de CO2 falha em teste


A natureza acaba de pregar uma peça em cientistas que testavam uma nova técnica contra o aquecimento global. Um experimento em larga escala realizado no Atlântico Sul para testar essa técnica, a fertilização dos oceanos com ferro, mostrou-se um fracasso.
Os resultados do teste, divulgados ontem por pesquisadores da Alemanha e da Índia, lançam um balde de água fria na chamada geoengenharia, nome dado às soluções tecnológicas mirabolantes para amenizar a mudança climática.
De todos os esquemas de geoengenharia já propostos (coisas que incluem até mandar guarda-sóis gigantes para o espaço, por exemplo), a fertilização dos oceanos é o que tem o maior potencial.
A idéia é relativamente simples: despejar quantidades maciças de ferro na superfície de oceanos em altas latitudes, onde há muitos nutrientes na água, mas pouca clorofila. 


Carbono trancado
O ferro funcionaria como "adubo", estimulando o crescimento de algas unicelulares. Essas algas passariam, então, a fazer fotossíntese, retirando gás carbônico da água e produzindo oxigênio. Ao morrerem e se depositarem no fundo do mar, elas ajudariam a manter esse carbono "trancafiado". Com menos CO2 dissolvido, o oceano poderia absorver o excesso de carbono lançado na atmosfera pelos humanos.
A proposta teórica da fertilização com ferro de grandes áreas dos oceanos foi feita pela primeira vez em 1990 pelo cientista americano John Martin, mas foi testada em campo apenas dez vezes. Em todos esses testes o ferro lançado na água de fato estimulava a multiplicação de algas e a fotossíntese, mas o efetivo "enterro" do carbono e quanto CO2 poderia ser absorvido por ano não puderam ser medidos.
Entra em cena o Lohafex, um experimento conduzido por dois meses no tempestuoso Atlântico Sul por um grupo do Instituto Alfred Wegener, da Alemanha, e do Instituto Nacional de Oceanografia de Goa.
A região foi escolhida por ter maior potencial de sequestro de carbono do que as áreas do oceano Austral onde outros experimentos semelhantes foram realizados, e por ter tipos diferentes de alga.
A bordo do navio quebra-gelo alemão Polarstern, o grupo de pesquisadores despejou 6 toneladas de ferro no mar ao longo de 300 quilômetros quadrados. Como era esperado, a "adubação" realmente estimulou o crescimento de algas (ou fitoplâncton), que dobraram sua biomassa em um período de duas semanas.
E foi aí que o tiro literalmente começou a sair pela culatra. O excesso de fitoplâncton logo chamou atenção de copépodes, microcrustáceos que se alimentam de algas. Com comida de sobra, os copépodes se multiplicaram, o que por sua vez atraiu anfípodes (grupo de crustáceos maiores).
Algas erradas
Depois de 39 dias, segundo um comunicado à imprensa do Instituto Alfred Wegener, as concentrações de clorofila na área adubada entraram em declínio e tudo o que sobrou foi 'um cardume de anfípodes bem-nutridos'. O sequestro de carbono obtido com o experimento foi "desprezível".
Segundo o oceanógrafo Victor Smetacek, um dos líderes da pesquisa, estimativas anteriores sugeriam que até 1 bilhão de toneladas de carbono poderiam ser sequestradas pela fertilização. "Nossos resultados mostram que essa cifra é otimista demais", afirmou Smetacek à Folha.
O problema, diz, foi que as algas "erradas" se multiplicaram --e não as chamadas diatomáceas, que têm uma silicosa que as protege contra predadores. Naquela região, o mar é pobre em silício, elemento que as diatomáceas usam para fazer sua silicosa. Portanto, a multiplicação das algas "certas" foi baixa. "Não houve tempo para produzir biomassa em excesso que afundasse depois", disse o pesquisador.


domingo, 18 de outubro de 2009

Recuperação de Zonas Mortas


Recuperação de Zonas Mortas 
Como é possivel restaurar a vida em mares destruídos pelo crescimento desenfreado de plantas e algas provocado pela ação humana?
por Laurence Mee*

Imagine uma praia cheia de turistas aproveitando o calor do verão. Enquanto as crianças brincam à beira d\\'água, procurando conchas e outros tesouros, animais mortos ou quase mortos começam a se acumular na terra firme. No começo, são apenas alguns peixes lutando para sobreviver, mas depois, surgem grandes quantidades de caranguejos, mariscos, mexilhões e peixes podres. Alertados pelos gritos assustados das crianças, os pais, apreensivos, correm para socorrê-las. Nesse meio-tempo, no horizonte, pescadores frustrados voltam para casa com redes e porões vazios.
Essa não é uma cena de filme de terror. Casos assim ocorreram com freqüência em várias estâncias balneárias do mar Negro, na Romênia e na Ucrânia, nos anos 70 e 80, quando cerca de 60 milhões de toneladas de seres vivos do fundo oceânico (seres bênticos) morreram. A causa: baixíssimo teor de oxigênio na água em uma faixa de mar onde a única forma de vida possível era a bacteriana. No seu ápice, em 1990, a "zona morta", localizada no lado norte do mar ao largo da foz do rio Danúbio, cobria uma área do tamanho da Suíça (40 mil km²). Do outro lado do mundo, no golfo do México, ao largo do delta do rio Mississípi, formou-se outra enorme zona morta em meaods da década de 70, que chegou a atingir 21 mil km². Nas duas últimas décadas, casos similares em todo o mundo foram noticiados. O foco principal de minha pesquisa desde o começo dos anos 90, quando publiquei o primeiro artigo sobre a crise ecológica do mar Negro, vem sendo determinar as causas dessa destruição, como isso poderia ser evitado e o que fazer para restaurar a vida nas áreas atingidas.
A Zona morta do Mar Negro tornou-se evidente quando criaturas marinhas mortas começaram a aparecer no litoral perto da foz do rio Danúbio na década de 70. Acima, peixes mortos se acumulam nas praias do mar Negro com a maré alta. Uma foto tirada por satélite do lado oeste do mar Negro mostra o crescimento acelerado de plantas flutuantes microscópicas decorrente da descarga excessiva de nutrientes no Danúbio

Formação das Zonas Mortas

Hoje, os oceanógrafos relacionam a formação de boa parte das zonas mortas ao fenômeno da eutroficação, o aumento excessivo de nutrientes no mar (principalmente compostos com nitrogênio e fósforo) que favorece o crescimento das plantas. Esses "fertilizantes" são essenciais à saúde do fitoplâncton - algas flutuantes e outras formas microscópicas de vida fotossintetizadoras que são a base da maioria das cadeias alimentares marinhas - e ao bem-estar das ervas marinhas e algas que vivem no solo de mares bem iluminados e pouco fundos. Mas o excesso em águas com boa luminosidade acelera o crescimento das plantas, desencadeando a destrutiva floração de algas e outras conseqüências indesejadas.
As plantas entram na cadeia alimentar quando minúsculos animais marinhos (zooplânton), peixes herbívoros e seres que habitam o fundo do mar se delas alimentam ou depois que morrem, quando passam por um processo de decomposição bacteriana e são incorporadas aos sedimentos subjacentes do fundo oceânico. A matéria orgânica depositada nas profundezas alimenta os animais que lá vivem, como vermes, camarões e peixes.
Normalmente, a quantidade de fitoplâncton é determinada pela disponibilidade de luz e de nutrientes e pela herbivoria. Mas aumentos substanciais nas concentrações de nitrogênio e fósforo permitem que esses minúsculos organismos fotossintéticos se multipliquem em grande profusão. O resultado é que a água fica verde ou até mesmo marrom à medida que o fitoplâncton prolifera, e sua sombra priva as plantas mais profundas da luz necessária para sobreviverem. As ervas marinhas nas baías de pouca profundidade também ficam cobertas de pequenas algas que se prendem a elas (epífitas) e acabam sufocando e morrendo.
O aumento significativo da quantidade de fitoplâncton e de epífitas causa dificuldades imediatas para a vida marinha próxima, mas uma situação ainda mais grave surge quando os níveis de oxigênio nas águas do fundo oceânico caem. Há concentrações menores de oxigênio quando as bactérias o consomem para decompor a grande quantidade de matéria orgânica resultante dos dejetos animais e dos organismos mortos que se multiplicam durante a eutroficação. Boa parte desse material se acumula no fundo do mar onde o oxigênio já é relativamente escasso. O oxigênio se dissolve na água tanto pela fotossíntese quanto pela difusão física do ar na superfície marítima. Se também uma área cujo fundo está coberto de plantas mortas apresentar um gradiente de densidade que impeça a mistura com a coluna de água superior, o oxigênio do fundo rapidamente se esgota, acarretando a extinção de populações inteiras de animais. (Gradientes desse gênero podem surgir como resultado de diferenças de temperatura ou salinidade na água em várias profundidades.) Essa seqüência - eutroficação que leva à multiplicação do fitoplâncton, ao excesso de atividade bacteriana no mar profundo, ao esgotamento de oxigênio e finalmente à morte de plantas e de animais - foi verificada em quase todas as zonas mortas analisadas pelos pesquisadores. Os detalhes, entretanto, variam de acordo com as condições biológicas e físicas locais e com o teor de nutrientes vegetais disponíveis na terra.
O excesso de nitrogênio e fósforo despejados nos mares costeiros resulta, em grande medida, de mudanças de hábitos das pessoas que vivem nas áreas onde há escoamento para o mar. O aumento do uso de combustível fóssil (que libera nitrogênio na atmosfera), os resíduos deixados pela criação maciça de animais para abate e pela agricultura intensiva e a construção de sistemas de esgoto que lançam seus detritos em corpos de água, tudo isso leva ao aumento do volume de emissões de nutrientes nas bacias hidrográficas.
Segundo a Avaliação de ecossistemas do milênio, publicada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2005, entre 1960 e 1990 houve aumento de 80% no volume de lançamento de compostos de nitrogênio. O documento prevê que a quantidade de detritos produzidos pelo homem e despejados nos oceanos aumentará 65% até meados deste século. Assim, as zonas mortas estão propensas a se tornar ainda mais comuns, a menos que a sociedade tome imediatamente as devidas providências para reduzir o escoamento de nutrientes.

Cemitério Aquático

Embora o surgimento de uma zona morta seja o estágio final do processo de eutroficação, sistemas marinhos, especialmente populações animais, passam por mudanças muito antes disso. Toda cadeia alimentar litorânea saudável em geral se inicia pelas diatomáceas, fitoplâncton de carapaça de sílica, consumidas pelos copépodes, crustáceos minúsculos presentes no zooplâncton. Esses animais, por sua vez, servem de alimento aos peixes. Com o aumento nas concentrações de nutrientes, a mistura de espécimes presentes no fitoplâncton é alterada e as diatomáceas podem ser suplantadas por componentes menores e menos digestíveis. Quando a eutroficação provoca a multiplicação generalizada do fitoplâncton, os copépodes não conseguem se alimentar da grande quantidade de espécies novas presentes no fitoplâncton nem do excesso de detritos orgânicos resultantes da ruptura no ecossistema natural. Essa mudança favorece o crescimento de organismos gelatinosos altamente resistentes, como a Noctiluca (responsável pela luminescência noturna na superfície de águas agitadas). Não raro os biólogos consideram essas criaturas semelhantes a águas-vivas de "espécies terminais", pois os predadores de níveis mais altos têm dificuldade de se alimentar delas. Sua presença reduz o rendimento da cadeia alimentar, o que diminui as comunidades de peixes.
Tal desequilíbrio na cadeia alimentar pode piorar com a pesca comercial intensa, particularmente nos casos em que o alvo são os "predadores de topo" de grande valor, como o bacalhau, a merluza, o dourado ou o carapau. A perda de espécies de topo provoca o aumento da quantidade de pequenos peixes-presa, ocasionando a redução do zooplâncton (alimento dos peixes pequenos) e o surgimento de mais fitoplâncton. Os cientistas chamam esse processo seqüencial de "cascata trófica": cadeias alimentares ineficientes produzem mais matéria orgânica no fundo do mar, o que aumenta o risco de surgir uma zona morta como conseqüência.
O ecossistema alterado pela eutroficação se torna vulnerável à invasão de espécies vindas de outras regiões, transportadas, por exemplo, nos cascos de navios transatlânticos. Na década de 80, a água-viva filtradora Mnemiopsis leidyi, cuja origem provável é a costa leste dos Estados Unidos, passou a habitar o mar Negro. Por volta de 1990, esse voraz predador terminal dominou completamente o ecossistema e alcançou a impressionante densidade de mais de 5 kg por metro quadrado.
Em alguns casos, recifes de crustáceos ajudam a protelar a degradação de um ecossistema. Em vários estuários do litoral leste americano, as ostras agem como engenheiros do ecossistema, amontoando-se em recifes com vários metros de altura que servem de sustento a um grupo grande de organismos, como linguados, caranhos, percas prateadas e siris.

Catástrofe no Mar Negro

O Mar Negro é um exemplo radical de como ecossistemas submarinos podem ser destruídos pelo excesso de nutrientes, e também nos dá uma idéia de como poderiam ser recuperados. As águas de sua região noroeste sofreram eutroficação quando fluxos de compostos de nitrogênio e fósforo provenientes do solo dobraram entre as décadas de 60 e 80. O principal meio de canalização desses elementos químicos era o rio Danúbio, que é o escoadouro de boa parte das bacias hidrográficas de 11 países da Europa central, da Alemanha até a Romênia. Os principais responsáveis são o escoamento agrícola, as águas residuais urbanas e industriais e, no caso dos compostos de nitrogênio, o transporte atmosférico. Pelo menos metade do aumento de nitrogênio lançado no mar Negro veio de práticas agrícolas modernas, o uso intenso de fertilizantes e o estabelecimento de grandes áreas de produção animal. Essas atividades contribuíram para o aumento de resíduos de fósforo, mas o lixo urbano e industrial repleto de detergentes (polifosfatos) teve papel ainda mais expressivo.
Antes da década de 60, o baixio no noroeste do mar Negro era um sistema diferente e altamente produtivo, com extensa cobertura costeira de algas marrons típicas do fundo do mar e, mais distante da costa, a maior comunidade de algas vermelhas do mundo - um campo de Phyllophora do tamanho da Holanda. Esses campos naturais de algas coexistiam com enormes bancos de mexilhões e outros moluscos bivalves, e o sistema todo servia de sustento para um grande número de espécies de invertebrados e peixes. As algas ajudavam a oxigenar as águas profundas, e os mexilhões filtravam a água do mar, preservando, assim, boas condições de iluminação para a fotossíntese. O ecossistema era capaz de se adaptar às mais diversas condições climáticas e distúrbios naturais. Mas, à medida que a situação dos resíduos de nutrientes se agravava, densas florações de fitoplâncton surgiam na superfície da água. Uma multiplicação abundante como essa diminuiu a transparência da água que, por sua vez, privou as algas do fundo de luz, causando sua morte e alterando todo o ecossistema natural.
Durante os meses de verão, quando a coluna de água tornava-se estratificada, os níveis de oxigênio, principalmente os próximos ao fundo do mar, começaram a cair. Muitas das comunidades bivalves conseguiram sobreviver à hipoxia por até 20 dias, cerrando sua concha e vivendo das reservas internas de glicogênio - a principal reserva energética de carboidrato dos animais. Mas quando esses estoques chegavam ao fim, os moluscos morriam em massa, fazendo com que bactérias e outros organismos consumissem o oxigênio restante à medida que decompunham os animais mortos e liberavam ainda mais nutrientes vegetais. A essa altura, quando já não restava quase mais nada de oxigênio, toda a fauna, que em situação normal vivia na área, emigrava para outras regiões em busca de alimento e oxigênio ou morria. O ecossistema natural da região, portanto, ficou seriamente comprometido.
A área começou a se recuperar somente quando os regimes comunistas da Europa oriental começaram a cair a partir do final de 1989, acabando com o planejamento econômico centralizado. Inesperadamente, os agricultores locais passaram a ter menos capital para comprar fertilizante, de modo que as atividades agrícolas desaceleraram. Da mesma forma, muitas das grandes fazendas de criação animal fecharam, reduzindo profundamente o escoamento de nutrientes. Uma antiga fazenda na Romênia com mais de 1 milhão de porcos produzia quantidade de detritos equivalente ao de uma cidade com 5 milhões de habitantes. Em seis anos, a queda vertiginosa no fluxo de nutrientes causou o encolhimento da zona morta . Mas a recuperação do fundo do mar foi gradual. Estudos realizados por colegas ucranianos demonstram que as colônias de mexilhões em áreas devastadas do banco de areia noroeste voltaram a se restabelecer só em 2002, muitos anos depois de outras comunidades já terem se recuperado de fato. Em agosto passado, uma expedição para pesquisar as condições do mar constatou importante restabelecimento das comunidades bênticas de algas, embora elas não incluíssem as mesmas espécies que dominavam a região antes do início da zona morta.

Lenta Recuperação

Está claro que a recuperação de zonas mortas exige, no mínimo, a redução do escoamento de nutrientes provenientes de propriedades vizinhas. Mas ecossistemas marinhos que sofreram colapso com a eutroficação e a hipoxia talvez não voltem simplesmente ao que eram antes caso o homem modifique suas atividades para diminuir as quantidades de nutrientes vegetais lançados nos rios. Essa resistência à recuperação tem três razões:
Bacias hidrográficas geralmente possuem grande capacidade de armazenamento de nutrientes - dissolvidos em lençóis freáticos ou concentrados em partículas do solo. Os fertilizantes de nitrogênio e fósforo, além de outros elementos químicos, podem levar anos, e mesmo décadas, até serem fixados e não passarem mais pelo processo a lixiviação e serem escoados para o mar. Compostos de nitrogênio, em especial, costumam acumular-se nos lençóis freáticos.
As zonas mortas também podem demorar a desaparecer caso haja escassez de populações de plantas e animais marinhos saudáveis nas proximidades que sirvam de "banco de sementes", ponto de partida para o restabelecimento das comunidades desaparecidas. Aliás, é provável que a fauna e flora que antes viviam nas áreas atingidas tenham sido extintas. Animais marinhos nativos podem ser arrastados pela correnteza de ecossistemas saudáveis por longas distâncias na forma de larva e, finalmente, restabelecer-se em um nicho biológico adequado. Mas, em alguns casos, essas espécies que supostamente retornariam encontram-se suplantadas por organismos invasores oportunistas que ocuparam todos os hábitats convenientes. Por fim, a eutroficação geralmente causa alterações na composição do ecossistema que não são facilmente revertidas . À medida que as concentrações de nutrientes começam a aumentar desde cedo, algumas espécies entram em declínio, mas os ecossistemas como um todo podem permanecer fortes por muito tempo se as populações naturais conseguirem manter o crescimento de fitoplâncton e similares relativamente alto. No entanto, em determinado momento, chega-se a um limiar em que a perda de espécies-chave resulta em crise repentina, levando a novo estado de deterioração. O novo equilíbrio surge com a presença de algumas espécies remanescentes tolerantes às conseqüências da eutroficação e com a chegada de criaturas oportunistas vindas de outras partes.
Infelizmente, a nova condição é com freqüência bastante estável. Resultado: apenas diminuir o fluxo do escoamento de nutrientes aos níveis da pré-eutroficação pode não ser o suficiente para restaurar o ecossistema a seu estado original; talvez seja necessário reduzir as concentrações de nutrientes a níveis bem abaixo do ponto de partida.
Para complicar a situação, o limiar da mudança de um estado natural para um deteriorado geralmente será antecipado se a resiliência de um ecossistema for reduzida pela pesca excessiva. Portanto, talvez seja necessário antes reduzir significativamente a atividade pesqueira para que o retorno a um estado saudável seja possível.

Como Eliminar Zonas Mortas

Não basta apenas saber o que fazer para resolver o problema das zonas mortas; a revitalizção dessas áreas só será factível quando governos considerarem esta uma meta importante e assumirem tal responsabilidade. De fato, poucos casos de recuperação foram registrados, pois a redução do escoamento de nutrientes do solo exige importantes mudanças nas práticas agrícolas e no tratamento da água residual. Para diminuir as cargas de nutrientes, deve-se pôr em prática planos de grande abrangência (considerando o sistema de bacias hidrográficas como um todo) para manter o nitrogênio e o fósforo no solo e longe da água. Essas iniciativas atualmente estão sendo executadas na baía de Chesapeake e no mar Negro. No segundo caso, os governos da região, com o apoio do Fundo Global para o Meio Ambiente da ONU, concordaram em estimular uma iniciativa para conservar os níveis de escoamento de nutrientes no mesmo patamar daqueles da década de 90.
Entretanto, dois problemas sérios devem ser superados antes que seja possível a recuperação completa e sustentável do ecossistema do mar Negro. As autoridades européias precisam tomar medidas para garantir que um novo surto de desenvolvimento econômico não desencadeie o ressurgimento de nutrientes terrestres lançados no mar.
Os próximos governos devem diminuir a intensidade da pesca comercial a ponto de permitir que ocorra a recuperação de populações reduzidas de peixes predadores. Além disso, as redes de arrasto e as dragas usadas nos barcos pesqueiros destroem importantes populações bênticas e devem ser fiscalizadas de forma mais eficaz.
Na verdade, países marítimos de todo o mundo precisam juntar forças para aliviar as pressões pesqueiras nas áreas eutróficas, o que é muito difícil de conseguir, já que mais da metade dos cardumes do planeta é, atualmente, superexplorada. Embora um acordo internacional preveja estabelecer até 2012 uma rede global de áreas marinhas protegidas - o que ajudaria a conter a pesca excessiva e a salvar o essencial banco de sementes necessário para a recuperação de zonas mortas -, os objetivos do acordo estão longe de ser, alcançados, pois os mecanismos de fiscalização são insuficientes.
Mesmo se o ecossistema eutrófico apresentar recuperação parcial, as autoridades precisam estar cientes de que ela talvez deixe a região em situação altamente instável. Os mexilhões, por exemplo, têm extraordinária capacidade de filtragem, e o estabelecimento de colônias de mexilhões em recifes artificiais tem melhorado a qualidade da água. Mas a decomposição bacteriana das fezes dos mexilhões e de seres mortos consome grandes quantidades de oxigênio, o que pode provocar ciclos de ascensão e queda em locais onde a mistura de água é pobre e a renovação do oxigênio é limitada. Nesses casos, colônias de mexilhões em crescimento sofrem colapso repentino, resultando em uma zona morta, até o material orgânico ser completamente decomposto, e a recuperação recomeçar.
Em nível mais sutil, o conceito inteiro de avaliação da saúde ou qualidade de um ecossistema depende dos valores dos habitantes locais. Para alguns, o resultado desejável de ações corretivas talvez seja um mar de pequenos peixes-presa; para outros, bastaria a restauração de um mar cheio de predadores de topo.
Zonas mortas em áreas costeiras nos fazem lembrar que a humanidade não pode simplesmente esperar que os ecossistemas naturais absorvam nosso lixo sem que haja conseqüências graves e, muitas vezes, inesperadas. Atualmente, já sabemos como reviver zonas mortas, mas, em última análise, as medidas necessárias para que isso ocorra dependem do nosso reconhecimento de seus desdobramentos para o ambiente no que diz respeito à disposição do lixo e ao valor que damos aos ecossistemas marinhos do mundo.

Principais estágios na formação de uma zona morta

Os eventos que favoreceram o surgimento da zona morta do mar Negro eram similares às condições necessárias para a formação de áreas com baixo teor de oxigênio (hipoxia), embora os detalhes se modifiquem caso a caso. A origem do problema estava no afluxo excessivo de nutrientes vegetais que desencadeou a eutroficação da água - crescimento descontrolado de algas e de outras pequenas plantas fotossintéticas flutuantes que causou indiretamente a hipoxia e a morte de plantas e de animais no fundo do mar.
Seguiram-se três estágios de declínio do escossistema, descritos pela primeira vez por Tatsuki Nagai, da Agência de Pesquisas sobre Pesca do Japão. Nagai estudou uma das primeiras regiões hipóxicas conhecidas, no mar interior de Seto, no Japão, no começo dos anos 60. Ele chamou seu estado natural de "mar de pargos vermelhos" (espécie predadora alvo dos pescadores locais). Em seguida, veio o "mar de anchovas", quando houve a queda de espécies predadoras, deixando para trás principalmente pequenos peixes-presa.
Finalmente, foi a vez do "mar de águas-vivas" quando a maioria das outras espécies morre ou foge, deixando para trás espécies invasoras altamente tolerantes dominando a região. Nagai foi um dos primeiros a constatar que a pesca excessiva contribui para a degradação da cadeia alimentar marinha (ao capturar os peixes predadores de topo).

ECOSSISTEMA SAUDÁVEL (PRÉ-1970)

As águas costeiras próximas à superfície do noroeste do mar Negro inicialmente continham uma mistura diversificada de fitoplâncton (algas flutuantes e outras plantas microscópicas), peixes variados e outros organismos. As águas superficiais próximas do litoral continham cardumes de anchovas jovens, cavalas e bonitos. A uma profundidade média, viviam grandes cardumes de predadores de topo, como a pescadinha e diversos peixes-presa, além de algumas águas-vivas. No fundo, comunidades de mexilhões, além de cabozes, linguados, esturjões e ermitões que proliferavam em extensos campos de ervas marinhas e algas vermelhas e marrons.


FASE DE EUTROFICAÇÃO (COMEÇO DA DÉCADA DE 70)

Com o aumento do afluxo dos nutrientes nitrogênio e fósforo nos escoamentos terrestres, a ecologia das regiões costeiras do Mar Negro começou a mudar. Florações maciças de fitoplâncton deixaram a água verde ou até marrom, privando as plantas que viviam nas profundezas da luz solar e depositando um fluxo contínuo de matéria orgânica decomposta no fundo do mar. As bactérias no leito oceânico consumiam grandes quantidades de oxigênio à medida que se banqueteavam com a matéria orgânica e as plantas mortas, causando, assim, hipoxia nas águas profundas, o que matou muitos organismos.



ZONA MORTA (FINAL DA DÉCADA DE 80)

À medida que a eutroficação avançava, o sombreamento crescente e a hipoxia extrema no leito oceânico deixaram as águas profundas desprovidas de vida. A pesca excessiva já tinha reduzido a quantidade de espécies predatórias. Esses e outros animais de grande porte desapareceram da região. Espécies oportunistas invasoras, principalmente a água-viva filtradora Mnemiopsis, multiplicaram-se nas profundidades superiores.

O Mar Negro se recupera

A recuperação da zona morta do mar Negro enfatiza a necessidade de reduzir drasticamente o escoamento agrícola e de outros nutrientes do solo caso o objetivo seja restaurar a saúde ecológica das áreas atingidas. A zona morta próxima da costa noroeste do mar Negro começou a se recuperar só depois que o sistema comunista caiu em 1989, o que impediu a continuação de práticas agrícolas intensas - entre as quais o aumento em larga escala da criação de animais e o uso descontrolado de fertilizantes contendo nitrogênio e fósforo (a) - existentes na região desde a década de 60. Resíduos de nutrientes da agricultura e do sistema de esgotos foram lançados no rio Danúbio e em outras bacias hidrográficas e, finalmente, no mar Negro, o que causou o aparecimento da zona morta em 1973 e seu retorno, todo verão, nos 21 anos seguintes (b). A cor vermelha na imagem do satélite de 1979 (c), por exemplo, revela nitidamente a extensão da área atingida pela água superfertilizada.
Cinco anos depois do fim da agricultura intensiva, a região degradada havia se restabelecido (b e d), decaindo apenas durante o verão excessivamente quente de 2001. Já em 1998, as populações de mexilhões da área tinham se recuperado. Entretanto, o mar talvez esteja em risco novamente à medida que a economia dos países de Europa central se recupera e a agricultura começa a se intensificar novamente.

Para conhecer mais Marine benthic hypoxia: a review of its ecological effects and the behavioral responses of benthic macrofauna. R. J. Diaz e R. Rosenberg, em Oceanography and Marine Biology: An Annual Review, vol. 33, págs. 245-303, 1995.

Nutrient-enhanced productivity in the northern Gulf of Mexico: past, present and future. N. N. Rabelais, R. E. Turner, Q. Dortch, D. Justic, V. J. Bierman e W. j. Wiseman, em Hydrobiologia, vol. 475, no 6, págs. 39-63, 2002.

Ecosystems and human well-being: current state and trends. Millennium ecosystem assessment. Island Press, 2005. Disponível online em www.millenniumassessment.org/en/products.global.overview.aspx
Restoring the Black Sea in times of uncertainty.
L. D. Mee, J. Friedrich e M. T. Gomoiu, em Oceanography, vol. 18, págs. 32-43, 2005.


*Laurence Mee é diretor do Instituto Marinho da Universidade de Plymouth, Inglaterra, e também do Centro de Pesquisa de Política Costeira e Marinha, núcleo interdisciplinar da universidade. Oceanógrafo com doutorado pela Universidade de Liverpool, Mee assumiu cargos de pesquisa no Instituto de Ciências Marinhas e Limnologia, no México, e no Laboratório do Meio Ambiente Marinho da AEAI, em Mônaco, e coordenou o Fundo para o Meio Ambiente Mundial das Nações Unidas - Programa do Meio Ambiente do Mar Negro.

domingo, 27 de setembro de 2009

Conseqüências das mudanças climáticas para o plâncton do Atlântico Sul

 Jean Louis Valentin
Instituto de Biologia, Dept de Biologia marinha,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, e-mail: jlv@biologia.ufrj.br

Os oceanos recobrem mais de 70% da superfície da Terra. Logo é importante tentar entender de que maneira as mudanças climáticas afetam ou poderão afetar a biota marinha, em especial os organismos do plâncton. O plâncton, conjunto de organismos animal ou vegetal, de tamanho variável (de bactérias até águas vivas) flutuando nas águas, é um bom indicador das mudanças climáticas por diversos motivos: (1) ele não é comercialmente explotado, logo as mudanças a longo prazo podem ser atribuídas a mudanças ambientais; (2) por serem organismos flutuantes ao sabor das ondas, eles podem expandir ou diminuir facilmente sua distribuição geográfica em função das mudanças; (3) tem um período de vida muito curto e uma amplitude muito pequena de tolerância às alterações ambientais denunciando rapidamente qualquer mudança, mesmo a mais sutil.
Considerando a importância dessa biota, é surpreendente a relativa escassez de series temporais longas de plâncton nos oceanos. No Atlântico, apenas o plâncton do hemisfério norte foi (e continua sendo) investigado a partir, principalmente, das coletas realizadas com o “Continuous Plankton Recorder - CPR”. Esse amostrador de plâncton, inventando por Alister Hardy em 1920, é arrastado na superfície sobre longas distancias (vários milhares de km), por qualquer navio de oportunidade e recolhe o plâncton numa fita de seda que se desenrola em função da distancia. Já foram realizadas 5.106 milhas de arrasto no Atlântico norte (Warner & Hays 1994).
O problema chave em documentar e compreender a resposta do plâncton à mudança climática é a dificuldade em manter a continuidade das series temporais de coleta. Desde a segunda guerra mundial, 40% das campanhas de monitoramento foram interrompidas, principalmente a partir dos anos 80 quando as financiadoras consideraram o monitoramento ambiental como “Ciência pobre”. Essa percepção negativa do monitoramento somente foi alterada no final dos anos 90 quando cientistas e políticos se conscientizaram das conseqüências do aquecimento global. Atualmente as campanhas foram reiniciadas, bem como a analise das series de amostras arquivadas (Exp. CalCOFI = California Cooperative Oceanic Fisheries Investigations; BATS = Bermuda Atlantic Time-series Study; HOT= Hawaii Ocean Time-series programmes) Com o reinicio desses estudos de longa duração (series > 50 anos), interessantes resultados apareceram. Há forte evidencia de alteração na abundancia e estrutura das comunidades planctônicas nas ultimas décadas, tais como a diminuição do Krill (crustáceo planctônico base da alimentação das baleias) em mais do que uma ordem de magnitude nos últimos 25 anos. Está ocorrendo uma alteração do sincronismo entre presas e predadores, por exemplo entre a ocorrência de larvas de peixes e o pico de alimento dessas, proporcionando uma maior mortalidade dessas larvas e uma queda na produção dos recursos pesqueiros. Na costa portuguesa, Lusa (2007) detectou uma diminuição do plâncton com conseqüência sobre a produção de sardinhas. Os limites de ocorrência do plâncton tropical e sub-tropical estão sendo deslocadas para maiores latitudes, substituindo as populações com afinidade fria, e conseqüentemente, alterando a estrutura da cadeia alimentar pelágica pela introdução de espécies exóticas. É o caso observado para o fitoplâncton Ceratium trichoceros cujo limite de distribuição era o sul da Inglaterra antes do ano 1970 e se encontra atualmente ao extremo norte do Mar do Norte (Hays et al. 2005). Uma matéria publicada no jornal Le Monde e reportada na internet no site www.ecodebate.com.br, (19-05-2008) faz menção de indícios de “desertificação dos oceanos” ou seja da diminuição da concentração de clorofila, detectada por satélite ao longo dos últimos 10 anos (aumento de cerca de 7.106 km2 das áreas oligotroficas, principalmente nas bacias Atlântica e Pacifica norte e sul). O processo seria decorrente de um aumento de intensidade da termoclina por causa da elevação da temperatura superficial, o que reduziria a taxa de fertilização por mistura com águas mais profundas ricas em nutrientes.
O impacto das mudanças climáticas não se limita apenas aos seus efeitos diretos nos oceanos. O clima das áreas continentais tem também efeitos indiretos sobre a fertilidade das áreas costeiros através do aumento das chuvas e das descargas continentais, proporcionando uma elevação das taxas de nutrientes e de produtividade planctônica nessas áreas de influencia. Outro aspecto importante ligado indiretamente a mudança climática e com conseqüência sobre o plâncton, é a acidificação dos oceanos. Parte do CO2 que entra na atmosfera pelas atividades humanas é dissolvida nos oceanos provocando uma diminuição do pH e a acidificação das águas. Uma aceleração dessa mudança no próximo século pode haver conseqüências positivas e negativas sobre o crescimento do plâncton: durante a fotossíntese o fitoplâncton absorve o CO2 é libera oxigênio, seqüestrando assim o CO2 atmosférico, processo chamado de “bomba biológica”; entretanto certas espécies tais como cocolitoforideos necessitam de carbonato de cálcio para suas carapaças. A calcificação é feita a partir do cálcio e do bicarbonato e produz CO2, de acordo com a equação Ca + 2HCO3 = CaCO3 + CO2 + H2O , o que resulta em aumento do CO2 e acidificação e, por conseqüência uma inibição da calcificação. É um processo retroativo que pode levar a uma deriva das populações planctônicas e um novo equilíbrio trófico. São processos ecológicos e biogeoquímicos complexos. O fitoplâncton é formado de numerosas espécies com exigências diferentes em relação ao CO2. Assim um aumento do CO2 na água pode favorecer o crescimento de uma determinada espécie em detrimento de outras, e com isso, influenciar todos os demais níveis tróficos dependentes do fitoplâncton como alimento, alem de desencadear a proliferação eventual de espécies tóxicas responsáveis pelo fenômeno de maré vermelha, com conseqüências socioeconômicas bem conhecidas. Nessa complexa rede de interações tróficas do ecossistema pelágico, há de se considerar também a atividade das bactérias, as quais produzem CO2 e do zooplâncton que se alimenta do fitoplâncton. Assim, é ainda prematura e incerta qualquer previsão conclusiva sobre as conseqüências do aumento de CO2 atmosférico sobre o ecossistema pelágico dos oceanos e os seus recursos vivos. Essas considerações são baseadas em pesquisas até o momento realizadas quase que exclusivamente no Atlântico norte. O que podem dizer sobre o Atlântico sul? Wainer & Taschetto (2006) anotam que ele é “caracterizado por gradientes meridionais de temperatura que se tornam maiores com o aumento da latitude. A temperatura da superfície do mar diminui em direção ao pólo sul devido ao decréscimo da radiação solar media anual. É notável a presença de águas mais frias na costa da África, ao sul da latitude de 15oS, associadas á ressurgência da Corrente de Benguela”. Ressurgência também ocorre, em menor escala, no litoral sudeste, na altura do Cabo Frio (230S), alem de um deslocamento de águas mais frias próximo à confluência Brasil-Malvinas, região de elevada energia com formação de ciclones, tempestades e passagem de frentes. No que diz respeito ao plâncton do Atlântico Sul os estudos iniciaram nas primeiras décadas do século XIX com grandes expedições cientificas estrangeiras e prosseguiram até o momento na forma de campanhas, embora numerosas, porem descontinuas no tempo e no espaço. Com isso, verifica-se uma carência nítida de informações continuas e de longa duração sobre a composição e estrutura das populações planctônicas. Os estudos até então realizados são apenas regionais e sazonais, sofrendo profundas descontinuidades. A base de dados elaborada, na escala mundial, pela NOAA (National Oceanic & Atmospheric Administration) (Coastal & Oceanic Plankton Ecology, Production & Observation Database - COPEPOD) é revelador dessa carência no Atlântico Sul, comparativamente ao Atlântico Norte (www.st.nmfs.noaa.gov/plankton). A tendência evolutiva da biomassa e da composição do plâncton nas águas do Atlântico sul, suscetível de ser atribuída a mudanças climáticas, só pode ser detectada pela aplicação de programas de longa duração com uso de técnicas adequadas tal como o CPR de Hardy. Programas nacionais ou regionais, multi-institucionais existem envolvendo estudos sobre o plâncton. Eles são porem limitados no tempo (e.g. Programa brasileiro REVIZEE, www.mma.gov.br/revizee/). Como iniciativa de monitoramento térmico do Oceano Atlântico Sul, é preciso mencionar a participação do Brasil no Programa GOOS (Global Oceanic Observation System) da COI (Comissão Oceanográfica Intergovernamental) com os projetos PIRATA e PNBOIAS (GOOS Brasil, http://goosbrasil.org), visando, a
partir de bóias fixas e derivantes, informações de alta relevância sobre a temperatura superficial do Atlântico sul. A incorporação de sensor de fluorescência (para medir clorofila) deveria permitir futuramente a obtenção de dados importantes sobre a capacidade produtora das nossas águas. O Brasil participa também do Consorcio SACC (South Atlantic Climate Change) junto com Argentina, Uruguai e USA, apoiado pelo IAI (Inter-American Institute for Global Change Research) e a NSF (National Science Foundation). O objective
global deste consorcio é “to determine the physical mechanisms that control biological processes in highly productive regions of the western South Atlantic and their variability from intra- to interannual times scales”.:
(www.labmon.io.usp.br/projects/sacc-crn2/ 02/06/2008). Uma lista das publicações mais relevantes pode ser consultada nesse mesmo site. Esses programas citados ainda carecem de um monitoramento do plâncton. Não há informações sintetizadas sobre o conjunto de dados planctônicos até hoje acumulados. Não é possível, no momento, deduzir quaisquer efeitos do aquecimento global sobre o plâncton do Atlântico sul, como já foi feito, para o Atlântico norte. Há de se perguntar se a elevação térmica das águas superficiais teria conseqüências sobre a produtividade do oceano, do tipo El Ninho para o Pacifico. A ressurgência da África do Sul, por exemplo, poderia sofrer alterações ao ponto de comprometer a sua capacidade produtora marinha? No Brasil, indícios indicam que o forte declino da produção pesqueira pelágica (e.g. sardinha) seria causada em parte pelo enfraquecimento da ressurgência de Cabo Frio (Brasil MMA, 2006). Até que ponto o aquecimento superficial das águas antárticas são responsáveis pela diminuição das correntes profundas responsáveis pelo processo de ressurgência em ambos os lados do Atlântico sul?. Somente programas ambiciosos de monitoramento continuo e a longo prazo do sistema planctônico do Atlântico sul poderia fornecer elementos de respostas a essas perguntas.

Bibliografia consultada
Brasil. MMA, 2006, Programa REVIZEE: avaliação do potencial sustentável de recursos vivos na zona econômica exclusiva: relatório executivo. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Qualidade Ambiental, Brasilia, 280pp.

Hays, G.C., A.J. Richardson and C. Robinson, 2005 Climate change and marine plankton. TRENDS in Ecology and Evolution, 20(6): 337-344 (www.sciencedirect.com)

Lusa, C.M. 2007 Quantidade de sardinha pode diminuir em Portugal devido à redução de plâncton. Ciencia Hoje, Portugal, 12-09-2007.

Richardson, A.J. 2008 In hot water: zooplankton and climate change. ICES Journal of Marine Science, 65: 279-295 (http:creativecommons.org/licenses/by-nc/2.0/uk).

Wainer, I. & A.S.Taschetto, 2006 Climatologia na região entre Cabo de São Tomé (RJ) e o Chui (RS). Diagnostico pára os períodos relativos aos levantamentos pesqueiros do Programa REVIZEE. p121-160, in:
Rossi-Wongtschowski C.L. & L.S-P.Madureira (Eds), O Ambiente Oceanográfico da Plataforma Continental e do Talude na Região Sudeste-Sul do Brasil. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo.

Warner A.J. and Hays G.C. 1994. Sampling by the Continuous Plankton Recorder Survey. Prog. Oceanog.34, 237-256.