sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sequestro oceânico de CO2 falha em teste


A natureza acaba de pregar uma peça em cientistas que testavam uma nova técnica contra o aquecimento global. Um experimento em larga escala realizado no Atlântico Sul para testar essa técnica, a fertilização dos oceanos com ferro, mostrou-se um fracasso.
Os resultados do teste, divulgados ontem por pesquisadores da Alemanha e da Índia, lançam um balde de água fria na chamada geoengenharia, nome dado às soluções tecnológicas mirabolantes para amenizar a mudança climática.
De todos os esquemas de geoengenharia já propostos (coisas que incluem até mandar guarda-sóis gigantes para o espaço, por exemplo), a fertilização dos oceanos é o que tem o maior potencial.
A idéia é relativamente simples: despejar quantidades maciças de ferro na superfície de oceanos em altas latitudes, onde há muitos nutrientes na água, mas pouca clorofila. 


Carbono trancado
O ferro funcionaria como "adubo", estimulando o crescimento de algas unicelulares. Essas algas passariam, então, a fazer fotossíntese, retirando gás carbônico da água e produzindo oxigênio. Ao morrerem e se depositarem no fundo do mar, elas ajudariam a manter esse carbono "trancafiado". Com menos CO2 dissolvido, o oceano poderia absorver o excesso de carbono lançado na atmosfera pelos humanos.
A proposta teórica da fertilização com ferro de grandes áreas dos oceanos foi feita pela primeira vez em 1990 pelo cientista americano John Martin, mas foi testada em campo apenas dez vezes. Em todos esses testes o ferro lançado na água de fato estimulava a multiplicação de algas e a fotossíntese, mas o efetivo "enterro" do carbono e quanto CO2 poderia ser absorvido por ano não puderam ser medidos.
Entra em cena o Lohafex, um experimento conduzido por dois meses no tempestuoso Atlântico Sul por um grupo do Instituto Alfred Wegener, da Alemanha, e do Instituto Nacional de Oceanografia de Goa.
A região foi escolhida por ter maior potencial de sequestro de carbono do que as áreas do oceano Austral onde outros experimentos semelhantes foram realizados, e por ter tipos diferentes de alga.
A bordo do navio quebra-gelo alemão Polarstern, o grupo de pesquisadores despejou 6 toneladas de ferro no mar ao longo de 300 quilômetros quadrados. Como era esperado, a "adubação" realmente estimulou o crescimento de algas (ou fitoplâncton), que dobraram sua biomassa em um período de duas semanas.
E foi aí que o tiro literalmente começou a sair pela culatra. O excesso de fitoplâncton logo chamou atenção de copépodes, microcrustáceos que se alimentam de algas. Com comida de sobra, os copépodes se multiplicaram, o que por sua vez atraiu anfípodes (grupo de crustáceos maiores).
Algas erradas
Depois de 39 dias, segundo um comunicado à imprensa do Instituto Alfred Wegener, as concentrações de clorofila na área adubada entraram em declínio e tudo o que sobrou foi 'um cardume de anfípodes bem-nutridos'. O sequestro de carbono obtido com o experimento foi "desprezível".
Segundo o oceanógrafo Victor Smetacek, um dos líderes da pesquisa, estimativas anteriores sugeriam que até 1 bilhão de toneladas de carbono poderiam ser sequestradas pela fertilização. "Nossos resultados mostram que essa cifra é otimista demais", afirmou Smetacek à Folha.
O problema, diz, foi que as algas "erradas" se multiplicaram --e não as chamadas diatomáceas, que têm uma silicosa que as protege contra predadores. Naquela região, o mar é pobre em silício, elemento que as diatomáceas usam para fazer sua silicosa. Portanto, a multiplicação das algas "certas" foi baixa. "Não houve tempo para produzir biomassa em excesso que afundasse depois", disse o pesquisador.


domingo, 18 de outubro de 2009

Recuperação de Zonas Mortas


Recuperação de Zonas Mortas 
Como é possivel restaurar a vida em mares destruídos pelo crescimento desenfreado de plantas e algas provocado pela ação humana?
por Laurence Mee*

Imagine uma praia cheia de turistas aproveitando o calor do verão. Enquanto as crianças brincam à beira d\\'água, procurando conchas e outros tesouros, animais mortos ou quase mortos começam a se acumular na terra firme. No começo, são apenas alguns peixes lutando para sobreviver, mas depois, surgem grandes quantidades de caranguejos, mariscos, mexilhões e peixes podres. Alertados pelos gritos assustados das crianças, os pais, apreensivos, correm para socorrê-las. Nesse meio-tempo, no horizonte, pescadores frustrados voltam para casa com redes e porões vazios.
Essa não é uma cena de filme de terror. Casos assim ocorreram com freqüência em várias estâncias balneárias do mar Negro, na Romênia e na Ucrânia, nos anos 70 e 80, quando cerca de 60 milhões de toneladas de seres vivos do fundo oceânico (seres bênticos) morreram. A causa: baixíssimo teor de oxigênio na água em uma faixa de mar onde a única forma de vida possível era a bacteriana. No seu ápice, em 1990, a "zona morta", localizada no lado norte do mar ao largo da foz do rio Danúbio, cobria uma área do tamanho da Suíça (40 mil km²). Do outro lado do mundo, no golfo do México, ao largo do delta do rio Mississípi, formou-se outra enorme zona morta em meaods da década de 70, que chegou a atingir 21 mil km². Nas duas últimas décadas, casos similares em todo o mundo foram noticiados. O foco principal de minha pesquisa desde o começo dos anos 90, quando publiquei o primeiro artigo sobre a crise ecológica do mar Negro, vem sendo determinar as causas dessa destruição, como isso poderia ser evitado e o que fazer para restaurar a vida nas áreas atingidas.
A Zona morta do Mar Negro tornou-se evidente quando criaturas marinhas mortas começaram a aparecer no litoral perto da foz do rio Danúbio na década de 70. Acima, peixes mortos se acumulam nas praias do mar Negro com a maré alta. Uma foto tirada por satélite do lado oeste do mar Negro mostra o crescimento acelerado de plantas flutuantes microscópicas decorrente da descarga excessiva de nutrientes no Danúbio

Formação das Zonas Mortas

Hoje, os oceanógrafos relacionam a formação de boa parte das zonas mortas ao fenômeno da eutroficação, o aumento excessivo de nutrientes no mar (principalmente compostos com nitrogênio e fósforo) que favorece o crescimento das plantas. Esses "fertilizantes" são essenciais à saúde do fitoplâncton - algas flutuantes e outras formas microscópicas de vida fotossintetizadoras que são a base da maioria das cadeias alimentares marinhas - e ao bem-estar das ervas marinhas e algas que vivem no solo de mares bem iluminados e pouco fundos. Mas o excesso em águas com boa luminosidade acelera o crescimento das plantas, desencadeando a destrutiva floração de algas e outras conseqüências indesejadas.
As plantas entram na cadeia alimentar quando minúsculos animais marinhos (zooplânton), peixes herbívoros e seres que habitam o fundo do mar se delas alimentam ou depois que morrem, quando passam por um processo de decomposição bacteriana e são incorporadas aos sedimentos subjacentes do fundo oceânico. A matéria orgânica depositada nas profundezas alimenta os animais que lá vivem, como vermes, camarões e peixes.
Normalmente, a quantidade de fitoplâncton é determinada pela disponibilidade de luz e de nutrientes e pela herbivoria. Mas aumentos substanciais nas concentrações de nitrogênio e fósforo permitem que esses minúsculos organismos fotossintéticos se multipliquem em grande profusão. O resultado é que a água fica verde ou até mesmo marrom à medida que o fitoplâncton prolifera, e sua sombra priva as plantas mais profundas da luz necessária para sobreviverem. As ervas marinhas nas baías de pouca profundidade também ficam cobertas de pequenas algas que se prendem a elas (epífitas) e acabam sufocando e morrendo.
O aumento significativo da quantidade de fitoplâncton e de epífitas causa dificuldades imediatas para a vida marinha próxima, mas uma situação ainda mais grave surge quando os níveis de oxigênio nas águas do fundo oceânico caem. Há concentrações menores de oxigênio quando as bactérias o consomem para decompor a grande quantidade de matéria orgânica resultante dos dejetos animais e dos organismos mortos que se multiplicam durante a eutroficação. Boa parte desse material se acumula no fundo do mar onde o oxigênio já é relativamente escasso. O oxigênio se dissolve na água tanto pela fotossíntese quanto pela difusão física do ar na superfície marítima. Se também uma área cujo fundo está coberto de plantas mortas apresentar um gradiente de densidade que impeça a mistura com a coluna de água superior, o oxigênio do fundo rapidamente se esgota, acarretando a extinção de populações inteiras de animais. (Gradientes desse gênero podem surgir como resultado de diferenças de temperatura ou salinidade na água em várias profundidades.) Essa seqüência - eutroficação que leva à multiplicação do fitoplâncton, ao excesso de atividade bacteriana no mar profundo, ao esgotamento de oxigênio e finalmente à morte de plantas e de animais - foi verificada em quase todas as zonas mortas analisadas pelos pesquisadores. Os detalhes, entretanto, variam de acordo com as condições biológicas e físicas locais e com o teor de nutrientes vegetais disponíveis na terra.
O excesso de nitrogênio e fósforo despejados nos mares costeiros resulta, em grande medida, de mudanças de hábitos das pessoas que vivem nas áreas onde há escoamento para o mar. O aumento do uso de combustível fóssil (que libera nitrogênio na atmosfera), os resíduos deixados pela criação maciça de animais para abate e pela agricultura intensiva e a construção de sistemas de esgoto que lançam seus detritos em corpos de água, tudo isso leva ao aumento do volume de emissões de nutrientes nas bacias hidrográficas.
Segundo a Avaliação de ecossistemas do milênio, publicada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2005, entre 1960 e 1990 houve aumento de 80% no volume de lançamento de compostos de nitrogênio. O documento prevê que a quantidade de detritos produzidos pelo homem e despejados nos oceanos aumentará 65% até meados deste século. Assim, as zonas mortas estão propensas a se tornar ainda mais comuns, a menos que a sociedade tome imediatamente as devidas providências para reduzir o escoamento de nutrientes.

Cemitério Aquático

Embora o surgimento de uma zona morta seja o estágio final do processo de eutroficação, sistemas marinhos, especialmente populações animais, passam por mudanças muito antes disso. Toda cadeia alimentar litorânea saudável em geral se inicia pelas diatomáceas, fitoplâncton de carapaça de sílica, consumidas pelos copépodes, crustáceos minúsculos presentes no zooplâncton. Esses animais, por sua vez, servem de alimento aos peixes. Com o aumento nas concentrações de nutrientes, a mistura de espécimes presentes no fitoplâncton é alterada e as diatomáceas podem ser suplantadas por componentes menores e menos digestíveis. Quando a eutroficação provoca a multiplicação generalizada do fitoplâncton, os copépodes não conseguem se alimentar da grande quantidade de espécies novas presentes no fitoplâncton nem do excesso de detritos orgânicos resultantes da ruptura no ecossistema natural. Essa mudança favorece o crescimento de organismos gelatinosos altamente resistentes, como a Noctiluca (responsável pela luminescência noturna na superfície de águas agitadas). Não raro os biólogos consideram essas criaturas semelhantes a águas-vivas de "espécies terminais", pois os predadores de níveis mais altos têm dificuldade de se alimentar delas. Sua presença reduz o rendimento da cadeia alimentar, o que diminui as comunidades de peixes.
Tal desequilíbrio na cadeia alimentar pode piorar com a pesca comercial intensa, particularmente nos casos em que o alvo são os "predadores de topo" de grande valor, como o bacalhau, a merluza, o dourado ou o carapau. A perda de espécies de topo provoca o aumento da quantidade de pequenos peixes-presa, ocasionando a redução do zooplâncton (alimento dos peixes pequenos) e o surgimento de mais fitoplâncton. Os cientistas chamam esse processo seqüencial de "cascata trófica": cadeias alimentares ineficientes produzem mais matéria orgânica no fundo do mar, o que aumenta o risco de surgir uma zona morta como conseqüência.
O ecossistema alterado pela eutroficação se torna vulnerável à invasão de espécies vindas de outras regiões, transportadas, por exemplo, nos cascos de navios transatlânticos. Na década de 80, a água-viva filtradora Mnemiopsis leidyi, cuja origem provável é a costa leste dos Estados Unidos, passou a habitar o mar Negro. Por volta de 1990, esse voraz predador terminal dominou completamente o ecossistema e alcançou a impressionante densidade de mais de 5 kg por metro quadrado.
Em alguns casos, recifes de crustáceos ajudam a protelar a degradação de um ecossistema. Em vários estuários do litoral leste americano, as ostras agem como engenheiros do ecossistema, amontoando-se em recifes com vários metros de altura que servem de sustento a um grupo grande de organismos, como linguados, caranhos, percas prateadas e siris.

Catástrofe no Mar Negro

O Mar Negro é um exemplo radical de como ecossistemas submarinos podem ser destruídos pelo excesso de nutrientes, e também nos dá uma idéia de como poderiam ser recuperados. As águas de sua região noroeste sofreram eutroficação quando fluxos de compostos de nitrogênio e fósforo provenientes do solo dobraram entre as décadas de 60 e 80. O principal meio de canalização desses elementos químicos era o rio Danúbio, que é o escoadouro de boa parte das bacias hidrográficas de 11 países da Europa central, da Alemanha até a Romênia. Os principais responsáveis são o escoamento agrícola, as águas residuais urbanas e industriais e, no caso dos compostos de nitrogênio, o transporte atmosférico. Pelo menos metade do aumento de nitrogênio lançado no mar Negro veio de práticas agrícolas modernas, o uso intenso de fertilizantes e o estabelecimento de grandes áreas de produção animal. Essas atividades contribuíram para o aumento de resíduos de fósforo, mas o lixo urbano e industrial repleto de detergentes (polifosfatos) teve papel ainda mais expressivo.
Antes da década de 60, o baixio no noroeste do mar Negro era um sistema diferente e altamente produtivo, com extensa cobertura costeira de algas marrons típicas do fundo do mar e, mais distante da costa, a maior comunidade de algas vermelhas do mundo - um campo de Phyllophora do tamanho da Holanda. Esses campos naturais de algas coexistiam com enormes bancos de mexilhões e outros moluscos bivalves, e o sistema todo servia de sustento para um grande número de espécies de invertebrados e peixes. As algas ajudavam a oxigenar as águas profundas, e os mexilhões filtravam a água do mar, preservando, assim, boas condições de iluminação para a fotossíntese. O ecossistema era capaz de se adaptar às mais diversas condições climáticas e distúrbios naturais. Mas, à medida que a situação dos resíduos de nutrientes se agravava, densas florações de fitoplâncton surgiam na superfície da água. Uma multiplicação abundante como essa diminuiu a transparência da água que, por sua vez, privou as algas do fundo de luz, causando sua morte e alterando todo o ecossistema natural.
Durante os meses de verão, quando a coluna de água tornava-se estratificada, os níveis de oxigênio, principalmente os próximos ao fundo do mar, começaram a cair. Muitas das comunidades bivalves conseguiram sobreviver à hipoxia por até 20 dias, cerrando sua concha e vivendo das reservas internas de glicogênio - a principal reserva energética de carboidrato dos animais. Mas quando esses estoques chegavam ao fim, os moluscos morriam em massa, fazendo com que bactérias e outros organismos consumissem o oxigênio restante à medida que decompunham os animais mortos e liberavam ainda mais nutrientes vegetais. A essa altura, quando já não restava quase mais nada de oxigênio, toda a fauna, que em situação normal vivia na área, emigrava para outras regiões em busca de alimento e oxigênio ou morria. O ecossistema natural da região, portanto, ficou seriamente comprometido.
A área começou a se recuperar somente quando os regimes comunistas da Europa oriental começaram a cair a partir do final de 1989, acabando com o planejamento econômico centralizado. Inesperadamente, os agricultores locais passaram a ter menos capital para comprar fertilizante, de modo que as atividades agrícolas desaceleraram. Da mesma forma, muitas das grandes fazendas de criação animal fecharam, reduzindo profundamente o escoamento de nutrientes. Uma antiga fazenda na Romênia com mais de 1 milhão de porcos produzia quantidade de detritos equivalente ao de uma cidade com 5 milhões de habitantes. Em seis anos, a queda vertiginosa no fluxo de nutrientes causou o encolhimento da zona morta . Mas a recuperação do fundo do mar foi gradual. Estudos realizados por colegas ucranianos demonstram que as colônias de mexilhões em áreas devastadas do banco de areia noroeste voltaram a se restabelecer só em 2002, muitos anos depois de outras comunidades já terem se recuperado de fato. Em agosto passado, uma expedição para pesquisar as condições do mar constatou importante restabelecimento das comunidades bênticas de algas, embora elas não incluíssem as mesmas espécies que dominavam a região antes do início da zona morta.

Lenta Recuperação

Está claro que a recuperação de zonas mortas exige, no mínimo, a redução do escoamento de nutrientes provenientes de propriedades vizinhas. Mas ecossistemas marinhos que sofreram colapso com a eutroficação e a hipoxia talvez não voltem simplesmente ao que eram antes caso o homem modifique suas atividades para diminuir as quantidades de nutrientes vegetais lançados nos rios. Essa resistência à recuperação tem três razões:
Bacias hidrográficas geralmente possuem grande capacidade de armazenamento de nutrientes - dissolvidos em lençóis freáticos ou concentrados em partículas do solo. Os fertilizantes de nitrogênio e fósforo, além de outros elementos químicos, podem levar anos, e mesmo décadas, até serem fixados e não passarem mais pelo processo a lixiviação e serem escoados para o mar. Compostos de nitrogênio, em especial, costumam acumular-se nos lençóis freáticos.
As zonas mortas também podem demorar a desaparecer caso haja escassez de populações de plantas e animais marinhos saudáveis nas proximidades que sirvam de "banco de sementes", ponto de partida para o restabelecimento das comunidades desaparecidas. Aliás, é provável que a fauna e flora que antes viviam nas áreas atingidas tenham sido extintas. Animais marinhos nativos podem ser arrastados pela correnteza de ecossistemas saudáveis por longas distâncias na forma de larva e, finalmente, restabelecer-se em um nicho biológico adequado. Mas, em alguns casos, essas espécies que supostamente retornariam encontram-se suplantadas por organismos invasores oportunistas que ocuparam todos os hábitats convenientes. Por fim, a eutroficação geralmente causa alterações na composição do ecossistema que não são facilmente revertidas . À medida que as concentrações de nutrientes começam a aumentar desde cedo, algumas espécies entram em declínio, mas os ecossistemas como um todo podem permanecer fortes por muito tempo se as populações naturais conseguirem manter o crescimento de fitoplâncton e similares relativamente alto. No entanto, em determinado momento, chega-se a um limiar em que a perda de espécies-chave resulta em crise repentina, levando a novo estado de deterioração. O novo equilíbrio surge com a presença de algumas espécies remanescentes tolerantes às conseqüências da eutroficação e com a chegada de criaturas oportunistas vindas de outras partes.
Infelizmente, a nova condição é com freqüência bastante estável. Resultado: apenas diminuir o fluxo do escoamento de nutrientes aos níveis da pré-eutroficação pode não ser o suficiente para restaurar o ecossistema a seu estado original; talvez seja necessário reduzir as concentrações de nutrientes a níveis bem abaixo do ponto de partida.
Para complicar a situação, o limiar da mudança de um estado natural para um deteriorado geralmente será antecipado se a resiliência de um ecossistema for reduzida pela pesca excessiva. Portanto, talvez seja necessário antes reduzir significativamente a atividade pesqueira para que o retorno a um estado saudável seja possível.

Como Eliminar Zonas Mortas

Não basta apenas saber o que fazer para resolver o problema das zonas mortas; a revitalizção dessas áreas só será factível quando governos considerarem esta uma meta importante e assumirem tal responsabilidade. De fato, poucos casos de recuperação foram registrados, pois a redução do escoamento de nutrientes do solo exige importantes mudanças nas práticas agrícolas e no tratamento da água residual. Para diminuir as cargas de nutrientes, deve-se pôr em prática planos de grande abrangência (considerando o sistema de bacias hidrográficas como um todo) para manter o nitrogênio e o fósforo no solo e longe da água. Essas iniciativas atualmente estão sendo executadas na baía de Chesapeake e no mar Negro. No segundo caso, os governos da região, com o apoio do Fundo Global para o Meio Ambiente da ONU, concordaram em estimular uma iniciativa para conservar os níveis de escoamento de nutrientes no mesmo patamar daqueles da década de 90.
Entretanto, dois problemas sérios devem ser superados antes que seja possível a recuperação completa e sustentável do ecossistema do mar Negro. As autoridades européias precisam tomar medidas para garantir que um novo surto de desenvolvimento econômico não desencadeie o ressurgimento de nutrientes terrestres lançados no mar.
Os próximos governos devem diminuir a intensidade da pesca comercial a ponto de permitir que ocorra a recuperação de populações reduzidas de peixes predadores. Além disso, as redes de arrasto e as dragas usadas nos barcos pesqueiros destroem importantes populações bênticas e devem ser fiscalizadas de forma mais eficaz.
Na verdade, países marítimos de todo o mundo precisam juntar forças para aliviar as pressões pesqueiras nas áreas eutróficas, o que é muito difícil de conseguir, já que mais da metade dos cardumes do planeta é, atualmente, superexplorada. Embora um acordo internacional preveja estabelecer até 2012 uma rede global de áreas marinhas protegidas - o que ajudaria a conter a pesca excessiva e a salvar o essencial banco de sementes necessário para a recuperação de zonas mortas -, os objetivos do acordo estão longe de ser, alcançados, pois os mecanismos de fiscalização são insuficientes.
Mesmo se o ecossistema eutrófico apresentar recuperação parcial, as autoridades precisam estar cientes de que ela talvez deixe a região em situação altamente instável. Os mexilhões, por exemplo, têm extraordinária capacidade de filtragem, e o estabelecimento de colônias de mexilhões em recifes artificiais tem melhorado a qualidade da água. Mas a decomposição bacteriana das fezes dos mexilhões e de seres mortos consome grandes quantidades de oxigênio, o que pode provocar ciclos de ascensão e queda em locais onde a mistura de água é pobre e a renovação do oxigênio é limitada. Nesses casos, colônias de mexilhões em crescimento sofrem colapso repentino, resultando em uma zona morta, até o material orgânico ser completamente decomposto, e a recuperação recomeçar.
Em nível mais sutil, o conceito inteiro de avaliação da saúde ou qualidade de um ecossistema depende dos valores dos habitantes locais. Para alguns, o resultado desejável de ações corretivas talvez seja um mar de pequenos peixes-presa; para outros, bastaria a restauração de um mar cheio de predadores de topo.
Zonas mortas em áreas costeiras nos fazem lembrar que a humanidade não pode simplesmente esperar que os ecossistemas naturais absorvam nosso lixo sem que haja conseqüências graves e, muitas vezes, inesperadas. Atualmente, já sabemos como reviver zonas mortas, mas, em última análise, as medidas necessárias para que isso ocorra dependem do nosso reconhecimento de seus desdobramentos para o ambiente no que diz respeito à disposição do lixo e ao valor que damos aos ecossistemas marinhos do mundo.

Principais estágios na formação de uma zona morta

Os eventos que favoreceram o surgimento da zona morta do mar Negro eram similares às condições necessárias para a formação de áreas com baixo teor de oxigênio (hipoxia), embora os detalhes se modifiquem caso a caso. A origem do problema estava no afluxo excessivo de nutrientes vegetais que desencadeou a eutroficação da água - crescimento descontrolado de algas e de outras pequenas plantas fotossintéticas flutuantes que causou indiretamente a hipoxia e a morte de plantas e de animais no fundo do mar.
Seguiram-se três estágios de declínio do escossistema, descritos pela primeira vez por Tatsuki Nagai, da Agência de Pesquisas sobre Pesca do Japão. Nagai estudou uma das primeiras regiões hipóxicas conhecidas, no mar interior de Seto, no Japão, no começo dos anos 60. Ele chamou seu estado natural de "mar de pargos vermelhos" (espécie predadora alvo dos pescadores locais). Em seguida, veio o "mar de anchovas", quando houve a queda de espécies predadoras, deixando para trás principalmente pequenos peixes-presa.
Finalmente, foi a vez do "mar de águas-vivas" quando a maioria das outras espécies morre ou foge, deixando para trás espécies invasoras altamente tolerantes dominando a região. Nagai foi um dos primeiros a constatar que a pesca excessiva contribui para a degradação da cadeia alimentar marinha (ao capturar os peixes predadores de topo).

ECOSSISTEMA SAUDÁVEL (PRÉ-1970)

As águas costeiras próximas à superfície do noroeste do mar Negro inicialmente continham uma mistura diversificada de fitoplâncton (algas flutuantes e outras plantas microscópicas), peixes variados e outros organismos. As águas superficiais próximas do litoral continham cardumes de anchovas jovens, cavalas e bonitos. A uma profundidade média, viviam grandes cardumes de predadores de topo, como a pescadinha e diversos peixes-presa, além de algumas águas-vivas. No fundo, comunidades de mexilhões, além de cabozes, linguados, esturjões e ermitões que proliferavam em extensos campos de ervas marinhas e algas vermelhas e marrons.


FASE DE EUTROFICAÇÃO (COMEÇO DA DÉCADA DE 70)

Com o aumento do afluxo dos nutrientes nitrogênio e fósforo nos escoamentos terrestres, a ecologia das regiões costeiras do Mar Negro começou a mudar. Florações maciças de fitoplâncton deixaram a água verde ou até marrom, privando as plantas que viviam nas profundezas da luz solar e depositando um fluxo contínuo de matéria orgânica decomposta no fundo do mar. As bactérias no leito oceânico consumiam grandes quantidades de oxigênio à medida que se banqueteavam com a matéria orgânica e as plantas mortas, causando, assim, hipoxia nas águas profundas, o que matou muitos organismos.



ZONA MORTA (FINAL DA DÉCADA DE 80)

À medida que a eutroficação avançava, o sombreamento crescente e a hipoxia extrema no leito oceânico deixaram as águas profundas desprovidas de vida. A pesca excessiva já tinha reduzido a quantidade de espécies predatórias. Esses e outros animais de grande porte desapareceram da região. Espécies oportunistas invasoras, principalmente a água-viva filtradora Mnemiopsis, multiplicaram-se nas profundidades superiores.

O Mar Negro se recupera

A recuperação da zona morta do mar Negro enfatiza a necessidade de reduzir drasticamente o escoamento agrícola e de outros nutrientes do solo caso o objetivo seja restaurar a saúde ecológica das áreas atingidas. A zona morta próxima da costa noroeste do mar Negro começou a se recuperar só depois que o sistema comunista caiu em 1989, o que impediu a continuação de práticas agrícolas intensas - entre as quais o aumento em larga escala da criação de animais e o uso descontrolado de fertilizantes contendo nitrogênio e fósforo (a) - existentes na região desde a década de 60. Resíduos de nutrientes da agricultura e do sistema de esgotos foram lançados no rio Danúbio e em outras bacias hidrográficas e, finalmente, no mar Negro, o que causou o aparecimento da zona morta em 1973 e seu retorno, todo verão, nos 21 anos seguintes (b). A cor vermelha na imagem do satélite de 1979 (c), por exemplo, revela nitidamente a extensão da área atingida pela água superfertilizada.
Cinco anos depois do fim da agricultura intensiva, a região degradada havia se restabelecido (b e d), decaindo apenas durante o verão excessivamente quente de 2001. Já em 1998, as populações de mexilhões da área tinham se recuperado. Entretanto, o mar talvez esteja em risco novamente à medida que a economia dos países de Europa central se recupera e a agricultura começa a se intensificar novamente.

Para conhecer mais Marine benthic hypoxia: a review of its ecological effects and the behavioral responses of benthic macrofauna. R. J. Diaz e R. Rosenberg, em Oceanography and Marine Biology: An Annual Review, vol. 33, págs. 245-303, 1995.

Nutrient-enhanced productivity in the northern Gulf of Mexico: past, present and future. N. N. Rabelais, R. E. Turner, Q. Dortch, D. Justic, V. J. Bierman e W. j. Wiseman, em Hydrobiologia, vol. 475, no 6, págs. 39-63, 2002.

Ecosystems and human well-being: current state and trends. Millennium ecosystem assessment. Island Press, 2005. Disponível online em www.millenniumassessment.org/en/products.global.overview.aspx
Restoring the Black Sea in times of uncertainty.
L. D. Mee, J. Friedrich e M. T. Gomoiu, em Oceanography, vol. 18, págs. 32-43, 2005.


*Laurence Mee é diretor do Instituto Marinho da Universidade de Plymouth, Inglaterra, e também do Centro de Pesquisa de Política Costeira e Marinha, núcleo interdisciplinar da universidade. Oceanógrafo com doutorado pela Universidade de Liverpool, Mee assumiu cargos de pesquisa no Instituto de Ciências Marinhas e Limnologia, no México, e no Laboratório do Meio Ambiente Marinho da AEAI, em Mônaco, e coordenou o Fundo para o Meio Ambiente Mundial das Nações Unidas - Programa do Meio Ambiente do Mar Negro.