domingo, 27 de setembro de 2009

Conseqüências das mudanças climáticas para o plâncton do Atlântico Sul

 Jean Louis Valentin
Instituto de Biologia, Dept de Biologia marinha,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, e-mail: jlv@biologia.ufrj.br

Os oceanos recobrem mais de 70% da superfície da Terra. Logo é importante tentar entender de que maneira as mudanças climáticas afetam ou poderão afetar a biota marinha, em especial os organismos do plâncton. O plâncton, conjunto de organismos animal ou vegetal, de tamanho variável (de bactérias até águas vivas) flutuando nas águas, é um bom indicador das mudanças climáticas por diversos motivos: (1) ele não é comercialmente explotado, logo as mudanças a longo prazo podem ser atribuídas a mudanças ambientais; (2) por serem organismos flutuantes ao sabor das ondas, eles podem expandir ou diminuir facilmente sua distribuição geográfica em função das mudanças; (3) tem um período de vida muito curto e uma amplitude muito pequena de tolerância às alterações ambientais denunciando rapidamente qualquer mudança, mesmo a mais sutil.
Considerando a importância dessa biota, é surpreendente a relativa escassez de series temporais longas de plâncton nos oceanos. No Atlântico, apenas o plâncton do hemisfério norte foi (e continua sendo) investigado a partir, principalmente, das coletas realizadas com o “Continuous Plankton Recorder - CPR”. Esse amostrador de plâncton, inventando por Alister Hardy em 1920, é arrastado na superfície sobre longas distancias (vários milhares de km), por qualquer navio de oportunidade e recolhe o plâncton numa fita de seda que se desenrola em função da distancia. Já foram realizadas 5.106 milhas de arrasto no Atlântico norte (Warner & Hays 1994).
O problema chave em documentar e compreender a resposta do plâncton à mudança climática é a dificuldade em manter a continuidade das series temporais de coleta. Desde a segunda guerra mundial, 40% das campanhas de monitoramento foram interrompidas, principalmente a partir dos anos 80 quando as financiadoras consideraram o monitoramento ambiental como “Ciência pobre”. Essa percepção negativa do monitoramento somente foi alterada no final dos anos 90 quando cientistas e políticos se conscientizaram das conseqüências do aquecimento global. Atualmente as campanhas foram reiniciadas, bem como a analise das series de amostras arquivadas (Exp. CalCOFI = California Cooperative Oceanic Fisheries Investigations; BATS = Bermuda Atlantic Time-series Study; HOT= Hawaii Ocean Time-series programmes) Com o reinicio desses estudos de longa duração (series > 50 anos), interessantes resultados apareceram. Há forte evidencia de alteração na abundancia e estrutura das comunidades planctônicas nas ultimas décadas, tais como a diminuição do Krill (crustáceo planctônico base da alimentação das baleias) em mais do que uma ordem de magnitude nos últimos 25 anos. Está ocorrendo uma alteração do sincronismo entre presas e predadores, por exemplo entre a ocorrência de larvas de peixes e o pico de alimento dessas, proporcionando uma maior mortalidade dessas larvas e uma queda na produção dos recursos pesqueiros. Na costa portuguesa, Lusa (2007) detectou uma diminuição do plâncton com conseqüência sobre a produção de sardinhas. Os limites de ocorrência do plâncton tropical e sub-tropical estão sendo deslocadas para maiores latitudes, substituindo as populações com afinidade fria, e conseqüentemente, alterando a estrutura da cadeia alimentar pelágica pela introdução de espécies exóticas. É o caso observado para o fitoplâncton Ceratium trichoceros cujo limite de distribuição era o sul da Inglaterra antes do ano 1970 e se encontra atualmente ao extremo norte do Mar do Norte (Hays et al. 2005). Uma matéria publicada no jornal Le Monde e reportada na internet no site www.ecodebate.com.br, (19-05-2008) faz menção de indícios de “desertificação dos oceanos” ou seja da diminuição da concentração de clorofila, detectada por satélite ao longo dos últimos 10 anos (aumento de cerca de 7.106 km2 das áreas oligotroficas, principalmente nas bacias Atlântica e Pacifica norte e sul). O processo seria decorrente de um aumento de intensidade da termoclina por causa da elevação da temperatura superficial, o que reduziria a taxa de fertilização por mistura com águas mais profundas ricas em nutrientes.
O impacto das mudanças climáticas não se limita apenas aos seus efeitos diretos nos oceanos. O clima das áreas continentais tem também efeitos indiretos sobre a fertilidade das áreas costeiros através do aumento das chuvas e das descargas continentais, proporcionando uma elevação das taxas de nutrientes e de produtividade planctônica nessas áreas de influencia. Outro aspecto importante ligado indiretamente a mudança climática e com conseqüência sobre o plâncton, é a acidificação dos oceanos. Parte do CO2 que entra na atmosfera pelas atividades humanas é dissolvida nos oceanos provocando uma diminuição do pH e a acidificação das águas. Uma aceleração dessa mudança no próximo século pode haver conseqüências positivas e negativas sobre o crescimento do plâncton: durante a fotossíntese o fitoplâncton absorve o CO2 é libera oxigênio, seqüestrando assim o CO2 atmosférico, processo chamado de “bomba biológica”; entretanto certas espécies tais como cocolitoforideos necessitam de carbonato de cálcio para suas carapaças. A calcificação é feita a partir do cálcio e do bicarbonato e produz CO2, de acordo com a equação Ca + 2HCO3 = CaCO3 + CO2 + H2O , o que resulta em aumento do CO2 e acidificação e, por conseqüência uma inibição da calcificação. É um processo retroativo que pode levar a uma deriva das populações planctônicas e um novo equilíbrio trófico. São processos ecológicos e biogeoquímicos complexos. O fitoplâncton é formado de numerosas espécies com exigências diferentes em relação ao CO2. Assim um aumento do CO2 na água pode favorecer o crescimento de uma determinada espécie em detrimento de outras, e com isso, influenciar todos os demais níveis tróficos dependentes do fitoplâncton como alimento, alem de desencadear a proliferação eventual de espécies tóxicas responsáveis pelo fenômeno de maré vermelha, com conseqüências socioeconômicas bem conhecidas. Nessa complexa rede de interações tróficas do ecossistema pelágico, há de se considerar também a atividade das bactérias, as quais produzem CO2 e do zooplâncton que se alimenta do fitoplâncton. Assim, é ainda prematura e incerta qualquer previsão conclusiva sobre as conseqüências do aumento de CO2 atmosférico sobre o ecossistema pelágico dos oceanos e os seus recursos vivos. Essas considerações são baseadas em pesquisas até o momento realizadas quase que exclusivamente no Atlântico norte. O que podem dizer sobre o Atlântico sul? Wainer & Taschetto (2006) anotam que ele é “caracterizado por gradientes meridionais de temperatura que se tornam maiores com o aumento da latitude. A temperatura da superfície do mar diminui em direção ao pólo sul devido ao decréscimo da radiação solar media anual. É notável a presença de águas mais frias na costa da África, ao sul da latitude de 15oS, associadas á ressurgência da Corrente de Benguela”. Ressurgência também ocorre, em menor escala, no litoral sudeste, na altura do Cabo Frio (230S), alem de um deslocamento de águas mais frias próximo à confluência Brasil-Malvinas, região de elevada energia com formação de ciclones, tempestades e passagem de frentes. No que diz respeito ao plâncton do Atlântico Sul os estudos iniciaram nas primeiras décadas do século XIX com grandes expedições cientificas estrangeiras e prosseguiram até o momento na forma de campanhas, embora numerosas, porem descontinuas no tempo e no espaço. Com isso, verifica-se uma carência nítida de informações continuas e de longa duração sobre a composição e estrutura das populações planctônicas. Os estudos até então realizados são apenas regionais e sazonais, sofrendo profundas descontinuidades. A base de dados elaborada, na escala mundial, pela NOAA (National Oceanic & Atmospheric Administration) (Coastal & Oceanic Plankton Ecology, Production & Observation Database - COPEPOD) é revelador dessa carência no Atlântico Sul, comparativamente ao Atlântico Norte (www.st.nmfs.noaa.gov/plankton). A tendência evolutiva da biomassa e da composição do plâncton nas águas do Atlântico sul, suscetível de ser atribuída a mudanças climáticas, só pode ser detectada pela aplicação de programas de longa duração com uso de técnicas adequadas tal como o CPR de Hardy. Programas nacionais ou regionais, multi-institucionais existem envolvendo estudos sobre o plâncton. Eles são porem limitados no tempo (e.g. Programa brasileiro REVIZEE, www.mma.gov.br/revizee/). Como iniciativa de monitoramento térmico do Oceano Atlântico Sul, é preciso mencionar a participação do Brasil no Programa GOOS (Global Oceanic Observation System) da COI (Comissão Oceanográfica Intergovernamental) com os projetos PIRATA e PNBOIAS (GOOS Brasil, http://goosbrasil.org), visando, a
partir de bóias fixas e derivantes, informações de alta relevância sobre a temperatura superficial do Atlântico sul. A incorporação de sensor de fluorescência (para medir clorofila) deveria permitir futuramente a obtenção de dados importantes sobre a capacidade produtora das nossas águas. O Brasil participa também do Consorcio SACC (South Atlantic Climate Change) junto com Argentina, Uruguai e USA, apoiado pelo IAI (Inter-American Institute for Global Change Research) e a NSF (National Science Foundation). O objective
global deste consorcio é “to determine the physical mechanisms that control biological processes in highly productive regions of the western South Atlantic and their variability from intra- to interannual times scales”.:
(www.labmon.io.usp.br/projects/sacc-crn2/ 02/06/2008). Uma lista das publicações mais relevantes pode ser consultada nesse mesmo site. Esses programas citados ainda carecem de um monitoramento do plâncton. Não há informações sintetizadas sobre o conjunto de dados planctônicos até hoje acumulados. Não é possível, no momento, deduzir quaisquer efeitos do aquecimento global sobre o plâncton do Atlântico sul, como já foi feito, para o Atlântico norte. Há de se perguntar se a elevação térmica das águas superficiais teria conseqüências sobre a produtividade do oceano, do tipo El Ninho para o Pacifico. A ressurgência da África do Sul, por exemplo, poderia sofrer alterações ao ponto de comprometer a sua capacidade produtora marinha? No Brasil, indícios indicam que o forte declino da produção pesqueira pelágica (e.g. sardinha) seria causada em parte pelo enfraquecimento da ressurgência de Cabo Frio (Brasil MMA, 2006). Até que ponto o aquecimento superficial das águas antárticas são responsáveis pela diminuição das correntes profundas responsáveis pelo processo de ressurgência em ambos os lados do Atlântico sul?. Somente programas ambiciosos de monitoramento continuo e a longo prazo do sistema planctônico do Atlântico sul poderia fornecer elementos de respostas a essas perguntas.

Bibliografia consultada
Brasil. MMA, 2006, Programa REVIZEE: avaliação do potencial sustentável de recursos vivos na zona econômica exclusiva: relatório executivo. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Qualidade Ambiental, Brasilia, 280pp.

Hays, G.C., A.J. Richardson and C. Robinson, 2005 Climate change and marine plankton. TRENDS in Ecology and Evolution, 20(6): 337-344 (www.sciencedirect.com)

Lusa, C.M. 2007 Quantidade de sardinha pode diminuir em Portugal devido à redução de plâncton. Ciencia Hoje, Portugal, 12-09-2007.

Richardson, A.J. 2008 In hot water: zooplankton and climate change. ICES Journal of Marine Science, 65: 279-295 (http:creativecommons.org/licenses/by-nc/2.0/uk).

Wainer, I. & A.S.Taschetto, 2006 Climatologia na região entre Cabo de São Tomé (RJ) e o Chui (RS). Diagnostico pára os períodos relativos aos levantamentos pesqueiros do Programa REVIZEE. p121-160, in:
Rossi-Wongtschowski C.L. & L.S-P.Madureira (Eds), O Ambiente Oceanográfico da Plataforma Continental e do Talude na Região Sudeste-Sul do Brasil. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo.

Warner A.J. and Hays G.C. 1994. Sampling by the Continuous Plankton Recorder Survey. Prog. Oceanog.34, 237-256.